É mais um volume da bem aprumada colecção Pé de Pato, editada com o selo da Fábula que, no seu cartão-de-vista, se apresenta desta forma: “Pé de Pato. Pé ante pé. Passos de pato. Passos de bebé. Passadas curtas, desengonçadas. Leituras sérias. Leituras engraçadas. Gosto por livros. Livros por gosto. Textos reescritos. Textos inventados. Ilustrações a preto, branco e cinzento. Coloridas na cabeça ou pintadas à mesa. Livro nada chato na coleção Pé de Pato”.
“O Esperto e Outras Histórias” (Fábula, 2019), o número 8 desta colecção editada em capa dura, reúne cinco contos de Ana de Castro Osório, figura ímpar da Cultura Portuguesa, para quem o fascínio pelo maravilhoso esteve sempre presente. Foi escritora, pedagoga, jornalista, editora, activista e feminista, bem como pioneira da literatura infantil em Portugal. Além de ter recolhido contos que faziam parte da nossa tradição oral, traduziu contos dos irmãos Grimm e de outros grandes autores de literatura infantil, incluídos na sua colecção “Para as Crianças”, iniciada em 1897 e publicada em fascículos vendidos por assinatura, a qual totalizou 18 volumes.
O Esperto, história que serve de lançamento a este colectânea, apresenta-nos a “um carvoeiro que vivia com a sua mulher e sete filhos numa cabana no meio do bosque” e que, tal como acontece no imaginário dos Grimm, os larga na floresta ao abandono. Todos os sete, incluindo o mais novo, que de tão inteligente era conhecido como o Esperto, a quem caberá encontrar por diversas vezes o caminho de regresso, lidar com um gigante conhecido como o Olharapo que só gosta de carne humana, aturar os caprichos de um rei mal agradecido e deixar, ao leitor, uma lema de vida bem importante: é mais importante a liberdade que todas as honras e cargos do mundo.
Em História do Príncipe Encantado no Palácio de Ferro no Reino da Escuridão mora “um velho negociante muito rico, que tinha uma filha, uma criança, linda, boa e inteligente como dificilmente se encontraria outra”. Com grande coração mais uma ingenuidade ainda maior, o velho irá cair no conto do vigário de uma professora interesseira e das suas duas filhas, que lá arranjam forma de levar avante o casamento para poderem dispor do dinheiro do velho. Maria, a filha, é daquelas pessoas que vai tratando de oferecer sempre a outra face, não se rebelando contra as injustiças do mundo, acreditando que chegará o dia em que até o mais vil dos seres encontrará o caminho certo. Num certo dia, ao fazer uma boa e desinteressada acção a um estranho, recebe deste uma senha para quando chegarem dias de aflição: “– Maria, se te vires aflita, chama pelo Príncipe Encantado no Palácio de Ferro no Reino da Escuridão!”. Se há coisa que se aprende nesta história, será certamente isto: quanto melhor é uma pessoa, mais inimigos tem.
Em O Leão de Ouro, “um poderoso Rei de outrora viveu casado com a mais bela senhora do mundo”, que antes de morreu deixou um pedido ao marido: não se casar com outra a não ser que esta a exceda em beleza e espírito e que “tenha dedos tão delicados que lhe possais oferecer este anel que vos entrego”. Para grande males grandes remédios, pensará o rei, que chamará assim uma fada com veia de serviço público, para o safar daquela tremenda alhada, e que tratará de mostrar que mesmo no mal pode haver o motivo para um grande bem.
Há também, em O Corvo, um génio que era tão arrogante que o rei dos génios o condena a ter “a forma de um corvo e a viver longe do convívio dos outros Génios e Fadas, num castelo solitário dependurado numa rocha bravia sobre as águas do mar”. E que, tal como a carochinha, se quer casar, mas quem aceitaria tal coisa? Decide assim por as asas à obra e raptar uma princesinha. Uma história que parece apelar às boas acções, pois nunca se sabe quando poderá aparecer um cavalo falante para oferecer uma pata amiga.
A fechar este volume temos O Homem de Pedra, onde há um príncipe qie tem um criado, filho de sapateiro, a quem chama irmão, tendo ambos nascido no mesmo dia e à mesma hora. Um dia, de forma a fugirem às intrigas da corte, decidem viajar juntos, chegando a um lugar onde há uma princesa encerrada num palácio, que “só um príncipe bom e fiel ao seu amor a poderá lá ir buscar”. Uma previsível luta de galos que terminará com um mantra que poderá ser gravado num azulejo de cozinha: sê fiel ao amor, à amizade e ao dever.
As ilustrações deste volume estão a cargo de Luís Manuel Gaspar, artista plástico e poeta, que faz capas e ilustrações para livros e revistas desde 1986, tendo o seu trabalho acompanhado a edição de obras de grandes autores como Alexandre O`Neill, Manuel António Pina, Ruy Belo, Herberto Hélder, Carlos de Oliveira, Al Berto, Rui Pires Cabral e José de Almada Negreiros.
Sem Comentários