Sofrer ao invés de gozar. Em 1880, partindo desta máxima que segundo ele se tinha tornado a moral da classe burguesa, “cujo egoísmo feroz e a inteligência tacanha encarnou“, Paul Lafargue assinava no Semanário L’Égalité a sua refutação ao direito do trabalho.
Em “O direito à preguiça” (Antígona, 2016), Lafargue aponta a moral capitalista como irmã gémea da cristã, cujo ideal será “reduzir o produtor ao mínimo dos mínimos das necessidades, suprimir as suas alegrias e paixões e condená-lo ao papel de uma máquina que entrega trabalho sem um minuto de descanso“. Ao contrário de um ensaio inocente, este livro pretendia e antevia o nascimento da “sociedade comunista do futuro“, com ou sem recurso à violência: “se possível, pacificamente, senão violentamente“.
Logo a abrir, Lafargue brinda-nos com uma frase de Lessing, que resume na perfeição este ensaio: “Preguicemos em tudo, excepto no amar e no beber, excepto no preguiçar“. Nestas páginas, o trabalho é visto como uma estranha loucura que tomou conta das nações onde reina a civilização capitalista. Algo que, hoje em dia, não será de todo estranho aos países mais a norte do nosso.
Para Lafargue, os malefícios do trabalho são muito claros: “Na sociedade capitalista o trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica“. Para o autor, foi o próprio proletariado que se pôs a jeito, assumindo “as dores do trabalho forçado” quando, em 1848, reclamou de armas em punho e entregou “as mulheres e os filhos aos barões da indústria“.
A partir do momento em que o trabalho fabril é introduzido no meio de uma população rural, Lafargue diz que será tempo de dizer adeus à “alegria, saúde, liberdade; adeus a tudo o que torna a vida bela e digna de ser vivida“.
Os tempos de Lafargue eram os da pós Revolução Francesa e dos turnos que variavam entre as 12 e as 15 horas. Mas o que propunha então Lafargue ao proletariado para combater a escravidão laboral e recuperar o direito à preguiça? Qualquer coisa como isto: “Que ele se obrigue a não trabalhar mais de três horas por dia, e a preguiçar e a folgazar durante o reto do dia e da noite“. Por aqui, assinamos por baixo.
Lafargue aborda de seguida as consequências da sobreprodução, bem como a concorrência absurda e mortífera entre o homem e a máquina, arranjando forma de definir uma época onde predominava o incessante barulho de homens e máquinas: “A nossa época será chamada a Idade da Falsificação, tal como as primeiras épocas da humanidade receberam os nomes de Idade da Pedra, Idade do Bronze, devido ao carácter da sua produção”.
A defesa do racionamento do trabalho é feita em nome da sanidade e de se poder viver o melhor da vida: “Embrutecidos pelos seus vícios, os operários não conseguiram compreender que, para haver trabalho para todos, seria preciso racioná-lo como água num navio em perigo“. Há, contudo, um grande elogio às máquinas, que se bem usadas libertariam o homem para o que é realmente importante. Um grande ensaio que, 126 anos depois, vê de alguma forma recuperada a sua pertinência.
“O sonho de Aristóteles é a nossa realidade. As nossas máquinas, animadas pelo fogo, com membros de aço, infatigáveis, com maravilhosa fecundidade, inesgotável, cumprem docilmente por si próprias o trabalho sagrado; e, no entanto, o génio dos grandes filósofos do capitalismo continua dominado pelo preconceito do salariado, a pior das escravaturas. Ainda não compreendemos que a máquina é o redentor da humanidade, o Deus que resgatará o homem das sordidae artes e do trabalho assalariado, o Deus que lhe dará tempo livre e a liberdade.“
Sem Comentários