Há livros que guardamos no coração pela simplicidade, pureza e intensidade, outros pela beleza, lirismo e graciosidade. “O Dia Em Que Me Tornei Pássaro” (The Poets and Dragons, 2018), ilustrado por Guridi e escrito por Ingrid Chabbert, reúne todas estas qualidades: é um livro excepcional.
Simples e de frases curtas, a narrativa na primeira pessoa possibilita uma intimidade com o leitor, partilhando com ele o maior dos segredos – o amor. “No dia em que começou a escola, apaixonei-me”. Intensa e comovente a história do menino que se apaixona, pela primeira vez, ele que não tem olhos para mais nada – apesar de ela não o ver.
Ao virar de cada página, a voz do menino, sedutora e envolvente, partilha com o leitor o que sente o seu coração: “Quando olho para ela, esqueço tudo o resto. Já não quero saber dos meus carrinhos, da minha bola de futebol, nem de coisa nenhuma. E também já não olho para os pássaros como antes”. Um olhar diferente para os pássaros?, perguntarão os leitores. Sim, um olhar diferente. Candela, a menina da paixão, só tem olhos para os pássaros: observa-os na natureza e cuida deles quando estão feridos. “Há pássaros nas calças dela e nos seus vestidos. Há pássaros nos cabelos dela. Há pássaros desenhados nos seus cadernos e nas suas pastas”.
Ousado e apaixonado, o menino decide capturar a atenção da sua amada, vestindo um fato de pássaro e corajosamente andando assim pela escola, provocando olhares jocosos dos colegas que não afectam a sua decisão: “Não quero despir o fato. Sou um pássaro”.
Um dia, ou melhor, uma tarde, os olhares cruzam-se finalmente: “Candela põe os braços à minha volta. Não me atrevo a mexer, não consigo pensar”. A partir daí, o menino afirma para si próprio: “Já não sou um pássaro, mas agora consigo voar“.
Sem grandes artifícios e com o foco nas duas personagens, articulando de forma perfeita o texto com as ilustrações a carvão, “O dia em que me tornei pássaro” oferece uma originalidade e criatividade simplesmente geniais. As guardas com motivo padronizado recordam um ambiente bucólico, enquanto os tons pálidos, em contraste com o carvão, acentuam um elemento particular que poderá funcionar como mote para a leitura, fomentando o jogo interpretativo. O livro foi distinguido, em 2016, como o melhor livro para Crianças pela Brain Pickings e o Melhor livro Ilustrado por All the Wonders.
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