A balança é o símbolo por excelência do equilíbrio. No mundo conhecido como Os Três Cantos, criado por Ricardo C. Dias, ela é também o brasão de uma ordem religiosa poderosa, dedicada à gestão do caos. Em teoria, todo o universo é moldado pela dicotomia entre caos e ordem, mas os interesses de alguns ditam que, por vezes, seja conveniente intervir para desequilibrar a balança.
“O Despertar do Caos” (Saída de Emergência, 2025), primeiro livro da série “As Crónicas dos Três Cantos”, arranca de uma forma extremamente cativante, através do ditado de uma carta que revela algumas das bases nas quais este mundo assenta, além da existência de uma intriga religiosa e política destinada a fortalecer a Ordem. A nossa curiosidade, assim desperta, fica em suspenso enquanto somos, em seguida, apresentados a uma galeria diversificada de personagens originais e bem estruturadas. Há um guerreiro que viaja do Sul para o Norte, onde nasceu, escoltando um ladrão. O guerreiro é perseguido por sombras do passado, que o impelem a aproveitar a deslocação para procurar respostas, enquanto o ladrão foi incumbido pela Ordem de uma missão secreta cujas implicações desconhece. Na realidade, este último é um entalpista: alguém com o poder de acumular e utilizar a energia do caos, num processo que não é isento de consequências para o próprio, nem para o que o rodeia. Há também uma jovem com uma missão de vingança, e um rapaz que vive de expedientes e que descobre a camaradagem num meio onde nunca esperou entrar. Acrescente-se ainda, para encerrar esta lista antes que ela se torne demasiado longa, um homem inteligente e perigoso, que invoca uma profecia para se declarar Rei do Norte e unir as várias facções desse território num único exército, com a intenção de guerrear contra o Sul.

Todas estas personagens serão habilmente ligadas umas às outras, ao mesmo tempo que nos levam a percorrer com elas cenários que vão desde florestas frias, pontuadas por estranhas construções antigas e criaturas sombrias, a cidades de praças amplas e buliçosas, ou a outras com edifícios de pedra nos socalcos de uma montanha, ligados por escadarias íngremes.
Logo na primeira obra literária, o autor mostra-se exímio na descrição de paisagens, ambientes, dilemas íntimos e intrigas complexas, combinando às mil maravilhas acção, romance e momentos cómicos – por vezes, mesmo nos momentos sérios, assoma uma ironia deliciosa, como quando é revelada a verdadeira origem do brasão da Ordem. Igualmente admirável é a criatividade subjacente ao desenvolvimento dos princípios da entalpia, ou das várias versões nas quais se desdobrou uma história antiga que originou religiões. O resultado é uma fantasia épica que se desenvolve a um óptimo ritmo e suscita grandes expectativas quanto ao próximo volume.
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