Venceu o prémio para o Melhor Álbum no Festival de Algoulême em 2004 e, no ano seguinte, foi adaptado ao cinema por Lauret Tuel. Com argumento e desenhos de Manu Larcenet, um dos grandes nomes da BD francesa contemporânea, “O Combate Quotidiano: Volume Um” (Arte de Autor/A Seita, 2021) reúne os dois primeiros – de quatro – tomos originais, numa história profundamente humana – com um acentuado toque autobiográfico – onde há lugar para a comoção, o drama e a diversão.
No centro de tudo está Marco, um fotógrafo pouco praticante a braços com uma terapia que dura já há oito anos e que, nas palavras do psiquiatra – que vê a possibilidade de perder este cliente -, poderá durar outros oito: “Creio ppoder afirmar que desenvolve comportamentos profundamente obsessivos, acompanhados por neuroses diversas, também elas obsessivas…”.
Marco e o irmão, com quem fuma “grandes charros” para combater as muitas neuroses e os ataques de ansiedade, tratam-se ambos por Georges, tudo em homenagem a John Malkovich e ao filme “Ratos e Homens” – há um coelho que desempenha um importante nesta história de alcunha partilhada.
Decidido a encontrar o seu lugar no mundo, bem como a esquecer as preocupações com a mãe, a meia-memória do pai e o facto de as suas fotografias se estarem a parecer com “cadáveres exóticos ou pessoas prestes a tornarem-se num”, Marco troca a cidade pelo campo, onde irá conhecer personagens como Adolf, um gato que encarna na pele e no pêlo o peso do nome, ou um filósofo acidental, com quem se cruza no campo, distribui ao acaso pérolas como “o amor não tem nada de confortável”, canta Jacques Brel ou mostra que há muito para ler nas entrelinhas da vida: “A fuga faz parte do combate”.
Manu Larcenet usa uma alternância de cores que se estende aos próprios desenhos. Alguns deles, como as cenas noctívagas ou aquelas que retratam os ataques de ansiedade de Marco, apresentam diversas rugosidades. Há também uma zona construída a preto e branco, que funciona como uma espécie de diário existencialista, onde Marco escreve sobre o psiquiatra, os pais, os seus medos e fobias, as muitas crises de angústia ou o medo terrível do comprometimento amoroso – a sua namorada veterinária está pelos arames.
Manu Larceneta aborda temas tão diversos como a tentação fácil de ir atrás dos soundbytes, a forma como a ideologia facha seduz os menos incautos, a importância da ética ou o binómio artista/obra, tão em foco nestes tempos onde vai imperando o revisionismo e a cultura do cancelamento. O segundo e último volume deste combate quotidiano está já disponível nas livrarias.
Nascido em 1969, Emmanuel “Manu” Larcenet estudou artes gráficas no liceu em Sèvres, frequentando depois um curso de Artes aplicadas, numa Escola de Arte. Vocalista de uma banda Punk na adolescência, publicou as suas primeiras ilustrações e bandas desenhadas em fanzines de música. Em 1994 inicia a sua carreira profissional na BD com uma colaboração regular com a revista Fluide Glacial. A par com a sua produção para a Fluide Glacial, Larcenet colabora também com a revista Spirou, onde assinou a série Pedro le Coati, com desenhos de Michel Gaudelette.
Em 2000, Manu é convidado pelo editor Guy Vidal para integrar o selo Poisson Pilote, da Dargaud, onde se junta a Joann Sfar e a Lewis Trondheim, para quem desenha a série Les Cosmonautes du Futur, e ao seu irmão Patrice, com quem faz as séries Les Entremondes e Une aventure rocambolesque de…
Com Sfar e Trondheim, Larcenet colaborou também na série Donjon, para a editora Delcourt, ilustrando cinco álbuns para o ciclo Donjon Parade. Depois do Combate Quotidiano, e na sequência da sua mudança para o campo, Larcenet tem alternado projectos mais pessoais, publicados pela sua editora Les Rêveurs, com obras de maior fôlego, para a Dargaud, como o tour de force gráfico e narrativo que é a série Blast, ou a magnífica e perturbadora adaptação do romance de Philippe Claudel, Le Rapport de Brodeck.
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