“Solitários. Alcoólicos. Infiéis. Dissimulados. Ciumentos. Perfeitos”. Um cartão-de-visita muito ajustado a um grupo de super-heróis que, na era dourada da América dos anos 50, se dividia entre batalhas épicas contra ameaças cósmicas e lutas internas e privadas, capazes de pôr à prova a resistência pessoal a todos os preconceitos que iam minando a sociedade de então.
“O Círculo de Júpiter” (G. Floy, 2020), que conta com argumento de Mark Millar, é uma prequela de contornos épicos a “O Legado de Jupiter” – já publicado pela G. Floy em dois volumes -, e reúne a série completa de Jupiter`s Circle (publicada em dois volumes entre O Legado). Uma série que, tudo leva a crer, terá para breve uma adaptação televisiva com o selo Netflix.
De forma muito resumida, estes seis amigos ganharam os seus poderes numa passagem por uma ilha misteriosa, decidindo depois unir-se para combaterem a injustiça, não cedendo a pressões ou lobbies de qualquer espécie.
Los Angeles, o centro da acção, é uma cidade que já se habitou ao aparecimento de lulas alienígenas que absorvem memórias alheias, mas que vive mergulhada num preconceito hipócrita: “uma cidade homossexual a vender um ideal heterossexual ao mundo”, deixando quem anda a brincar à heterossexualidade entregue ao álcool e aos comprimidos.
É neste mundo de vidas duplas e segredos guardados a sete chaves que entra em cena J. Edgar Hoover, o big boss do FBI, que faz uso de chantagem da boa para tentar sacar as identidade secretas a este sexteto maravilha. Como a de Richard, que não vai de modas e tem logo três: super-herói de milhões, cirurgião neonatal e homossexual que ainda não saiu do armário. Quanto a Fitz, outro dos heróis, deixa a mulher Joyce – também heroína – e os filhos para ir curtir com uma teen sem poderes mas que, diga-se em abono da verdade, mostra ter um grande jogo de cintura, lançando num dos rebentos de Fitz o desejo de parricídio.
Não entrando mais em detalhes e spoilers desnecessários, digamos que o leitor irá assistir a coisas tão bizarras como a invasão de uma terra paralela, um universo oposto onde os super-heróis são malignos e vieram para pilhar os nossos recursos com naves gigantescas; uma disputa épica de dois super-heróis pela mesma babe, que irá provocar uma cisão capaz de dividir o planeta ao meio; super-heróis em recuperação, após de uma descida ao mundo das drogas onde cabem tanto Burroughs como Kerouac; motins em LA, à boleia da Guerra do Vietname. E, acima de tudo, uma interrogação que poderá servir de metáfora para os dias e os heróis de hoje: “Seriam os super-heróis meros agentes do status quo? Soldados dos ricos, que os protegiam das massas?”.
A arte de Wilfredo Torres, David Gianfelice e companhia (foram cinco os ilustradores) é um legado visual aos anos 1950, num espírito retro com muitas vibrações e coloração da pop art e um certo toque a Mad Men. Mais um clássico de Mark Millar a roçar o épico, autor de quem a G. Floy já publicou títulos como “Starlight: O Regresso de Duke McQueen” – de que falaremos muito em breve -, “KM/H: Acima do Limite”, “Kingsman: Serviço Secreto”, “Imperatriz”, “Renascidos”, “Kick-Ass” ou “Némesis”.
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