Desalmado e frio como o metal de um revólver, o romance policial noir foi engendrado na América, no final dos anos 20, pelo autor Dashiell Hammett. O género trouxe um tom realista e urbano às histórias de detectives, até então baseadas no estilo inglês, apinhado de mordomos, parentes e casas de campo.
A partir das linhas mestras de Hammett, muitos outros acrescentaram obra ao estilo – grandes monstros da literatura e do cinema, desde Raymond Chandler a Orson Welles, tornaram-se referências. Também a banda desenhada teve a sua quota de mestres do hard-boiled, com Frank Miller e a sua série de novelas gráficas “Sin City” à cabeça. É nesta herança literária e visual que se inscreve “O Cemitério dos Esquecidos” (G. Floy, 2018).
No centro da intriga está John Doe – em português seria “Zé-Ninguém” -, alguém que, a coberto do anonimato, investiga os crimes por detrás dos cadáveres não identificados, que jazem no cemitério de Potter’s Field. É uma personagem misteriosa, um justiceiro com um passado obscuro e uma empreitada impossível: dar a todos os mortos desconhecidos uma medida de vingança e um nome pelo qual possam ser recordados. Com escopro e martelo, John Doe não descansa enquanto não grava na lápide o nome da vítima.
“O Cemitério dos Esquecidos” foi escrito pelo argumentista veterano Mark Waid e desenhado por Paul Azaceta, também co-autor do afamado “Outcast” – com Robert Kirkman. Na paleta de cores predominam o preto sombrio e as aguadas de azul-cobalto, da responsabilidade de Nick Filardi.
A trama envolve donzelas em perigo que se transformam em pérfidas femmes fatales, raptores pedófilos, gangsters e patrões do crime, polícias corruptos e maus-carácteres sortidos – a fauna habitual de personagens cínicas, violentas e criminosas que se passeiam pela noite da mítica Nova Iorque, retratada pelo traço simples e expressivo de Azaceta que enche as páginas com manchas de sombra negra.
O livro não se limita a ser um pastiche do thriller hard-boiled – a abordagem imaginativa, a nível gráfico e a nível de argumento, dá um cunho muito particular a tão repisado género. Ao longo dos quatro capítulos estendem-se histórias tão românticas como um par de algemas – soturnas histórias de detectives, que guardam a capacidade de nos surpreender e chocar ao virar de cada página.
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