“Sendo nós portugueses, convém saber o que é que somos”. Este é um livro sobre Portugal. Todavia, em vez das alusões da praxe ao espírito combativo de Viriato e à resiliência da Padeira de Aljubarrota, Fernando Pessoa explora a psique nacional e faz o diagnóstico “da nossa doença colectiva”.
“O Caso Mental Português” (Assírio & Alvim, 2020) contém textos de índole diversa, onde o fio condutor é o tema do provincianismo. Lançado pela Assírio & Alvim e editado por Richard Zenith e Fernando Cabral Martins, este volume reúne artigos, trechos, fragmentos e entrevistas de Fernando Pessoa. O escopo do livro, que é composto por obra édita e dois textos inéditos, consiste na análise dos traços característicos do temperamento português.
Fernando Pessoa nasceu em Lisboa em 1888 e fez a escolaridade na África do Sul. Aos 17 anos já escrevia fluentemente em três línguas, daí a capacidade de distanciamento necessária ao estudo da identidade lusitana. Soberanos do reino do desenrascanço, somos, segundo o autor, uma nação adaptável, inspirada e emotiva, porém acometida pela “inércia e inépcia”. Ao longo dos textos deste livro, o parecer crítico do poeta é maioritariamente produzido na 1ª pessoa do plural, embora os comentários assumam, por vezes, proporções de enxovalho colectivo.
Paradoxal, irónico e amiúde mordaz, o autor observa o zeitgeist político, intelectual e artístico da sua época e pinta o cenário de um meio social decadente, marcado pela “ausência de ideias gerais e, portanto, do espírito crítico e filosófico que provém de as ter”. Nos textos que “O Caso Mental Português” agrega, Pessoa sustenta o carácter de genial agitador de consciências e oscila entre o pensamento de âmbito anarquista, monárquico e conservador. Num trecho de remodelação do seu ensaio “O Interregno” (1928), o autor nota em António de Oliveira Salazar a “firmeza de propósito e uma continuidade de execução de um plano”, em contraponto com a mentalidade descomprometida e desorientada do resto do país.
O provincianismo, tema-chave deste livro, é o “o mal superior português”. Para o provar, Fernando Pessoa verifica atributos distintos de um povo provinciano, como o nosso “amor às grandes cidades, às novas modas, às «últimas novidades»”. Entretidos a olhar para o palácio do progresso, plagiamos ideais estrangeiros e recorremos ao mimetismo para disfarçar a nossa “falta de desenvolvimento civilizacional”.
“Somos um grande povo de heróis adiados”, uma potência em potência. Partindo dessa premissa, e confirmada “a ausência de consciência superior da nacionalidade” na mentalidade portuguesa, Pessoa aponta para o “Quinto Império” como caminho para fora do nevoeiro. Segundo o autor de “Mensagem”, finda a era das conquistas territoriais, restam-nos a cultura e o misticismo, de modo a regenerar o ego de Portugal e retomar a nossa posição dominante sobre o Atlântico, pois “há sempre Império desde que haja imperador”.
Sem Comentários