Será, de todos os volumes de David Walliams que chegaram às livrarias portuguesas neste formato, o menos politicamente incorrecto, talvez por assentar arraiais numa enfermaria de hospital com crianças doentes. O humor, porém, está presente da forma habitual, acompanhado pelas já clássicas ilustrações do veterano Tony Ross.
Estamos no Hospital Lord Funt, em Londres, nomeado em honra do fundador Lord Funt, cuja demolição tem sido um assunto recorrente nos últimos anos. Um dia, depois de levar com uma bola na cabeça durante um jogo de cricket, Tom, um rapaz de 12 anos, é admitido no hospital, obrigado a preencher um questionário que mais parece um inquérito de satisfação. Mas não sem antes conhecer um médico pouco confiante, uma enfermeira-chefe intratável e um porteiro com dentes poderes e ares de ser pouco dado a banhos.
Internado sem direito a um telefonema, Tom conhece desde logo as regras de ouro na enfermaria: luzes apagadas às 20h00 em ponto, não falar depois disso, não ler debaixo dos lençóis e não comer doces.
Quando tudo parece perdido, Tom descobre que existe algo tão secreto como “O Bando da Meia-Noite” (Porto Editora, 2018), criado por uma criança internada no hospital 50 anos antes, que se dedica a concretizar sonhos. De entre as crianças do hospital, há quem queira ser uma exploradora famosa, tomar chá com a Rainha de Inglaterra, surfar, ser arqueóloga, piloto de corridas, nadar com golfinhos ou fazer um safari. Tom, esse, parece não ter qualquer sonho, para grande espanto das outras crianças.
O desafio maior será, porém, concretizar o desejo de Sally, uma criança com cancro que pretende viver uma vida longa e feliz, juntando a isso ter de evitar a perseguição da sempre atenta directora do hospital que, segundo o porteiro, “tem escuridão dentro do coração”.
Tal como nos anteriores volumes, Walliams serve deliciosas listas ilustrativas, como quando se apresenta o menu do hospital para uma semana, do qual constam iguarias como rins escalfados, pés de porco sobre torradas ou pescoço de cisne estufado – até um buffet em modo casco de cavalo e toda a couve cozida que conseguir comer.
Se, nas entrelinhas, Walliams tece um retrato de como a saúde tende a ser um bem precioso cada vez mais maltratado pelos estados e instituições que a governam, apresenta também uma moral mais apontada ao lema seize the day, tão bem imortalizado no grande ecrã pelo Clube dos Poetas Mortos – ainda que, aqui, tenha um ligeiro toque à Paulo Coelho: “A vida é preciosa. Todos os momentos são preciosos. Devemos ser bondosos uns para os outros enquanto há tempo”.
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