A partir do século XIX, o crime começa a ser vislumbrado como algo esteticamente interessante, um objecto de pesquisa assinalável. Edgar Allan Poe “cria” a história do raciocínio – um jogo para cérebros privilegiados -, e a literatura policial passa a assentar no trinómio crime–investigação–solução. Mais tarde, ser-lhe-ão acrescentados outros ingredientes e variações, como violência, detectives amargurados, mulheres fatais, linguagem cinematográfica e algumas – muitas – doses de sexo.
Em “O Assassinato da Minha Tia” (Livros do Brasil, 2020 – reedição), temos qualquer coisa bem diferente da maioria das histórias de crimes e detectives – não começamos pelo crime, seguido das pistas e, finalmente, da descoberta do autor, o chamado formato whodunit. Segundo a apelidaram, esta trata-se antes de uma história de detectives invertida, ou seja, o autor do crime é-nos apresentado bem logo no principio, e o que acompanhamos é o processo que conduz ao desenlace final. Mas o verdadeiro encanto deste clássico, primeira obra de Richard Hull e grande sucesso nos longínquos anos 30, vem das descrições sobre o grande ódio que Edward Powell tem à sua tia, com quem coabita e de quem depende financeiramente, o que o obriga a viver numa odiosa localidade de Gales: “A minha tia vive mesmo às portas da pequena (e completamente medonha) cidade de LlWll. Nisso reside, nem mais nem menos, o aborrecimento. Em ambos os sentidos”.
Acompanhamos a ridicularização do nome da cidade, dos campos, das estradas, do clima, dos parcos habitantes, da tia e dos seus convivas, das refeições, das caminhadas que é obrigado a fazer, até que que emerge a única solução para todos os problemas – a aniquilação da tia Milred. A forma imoral com que nos são desvendados os seus planos é simplesmente desarmante e fascinante: humor negro no seu melhor. Mais um volume da ressuscitada Colecção Vampiro, que se vem juntar-se a inúmeras obras-primas do género onde já moram nomes como os de S.S.Van Dine, Ellery Queen ou Raymond Chandler, entre outros.
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