Foi, para muitos fãs de banda desenhada cá do burgo, um dos lançamentos mais aguardados do ano: a publicação de “O Árabe do Futuro 5: Ser Jovem no Médio Oriente (1992-1994)” (Teorema, 2023), da autoria de Riad Sattouf.
Trata-se de uma série de BD autobiográfica, escrita e ilustrada por Riad Sattouf, que teve início no ano do seu nascimento e que tem acompanhado o autor durante a sua infância e adolescência, atravessando a vivência na Líbia de Kadafi, na Síria de Hafez Al-Assad, ou a mudança familiar para a Bretanha, França. Uma autobiografia em constante reinvenção quanto ao modelo: foi projectada como trilogia, a certa altura falou-se de 4/5 volumes e, neste momento, é dado como certo que terá 6 volumes – o sexto foi já publicado em França e noutros países, compreendendo o período entre 1994 e 2011. Veremos se a coisa fica por aí.
À semelhança dos volumes anteriores, há neste quinto volume uma cor dominante das pranchas – o azul -, a que se junta o vermelho, cor com que é pintado o universo da ficção e do imaginário, bem como os episódios marcados pela violência.
“Chamo-me Riad. Em 1992, tinha 14 anos e não era assim muito horrível”. Riad continua a viver em Rennes com a mãe e o irmão Yahya. Fadi, o irmão mais novo, foi raptado pelo pai, que regressou à Síria esperando que a família siga o mesmo caminho. A decisão da mãe, porém, está tomada: “Nunca mais quero aquele porco na minha vida”.
É por esta altura que irá ser abalado por uma valente paixoneta: Anaick, que gosta de Lovecraft, de BD e de violoncelo. “Era a mulher da minha vida”, conta-nos um Riad que ia tentando respirar por entre um drama familiar de proporções épicas, cujos canais oficiais e politicos não conseguiam resolver – para complicar as coisas, os pais não estão divorciados.
Para além de Lovecraft, Riad irá deixar-se encantar com a descoberta de ”O Livro dos Espíritos” de Alan Kardec – há uma visita a uma vidente por entre esta descoberta -, ou com a história de Lilith, predecessora de Eva, que o faz ver a luz: “Compreendi que os mitos fundadores das religiões tinham como pontes em comum o ódio à liberdade sexual e o domínio do homem sobre a mulher, o patriarcado”.
Chegam-lhe às mãos, através de Anaick, algumas obras de BD de referência – “A Feira dos Imortais”, de Bilal; “A Noite”, de Pruillet; e “Arzach”, de Moebius -, e não escapará ao furacão Nirvana e ao encantamento lançado por Kurt Cobain, que descreve desta forma: “Apesar de extremamente bonito, usava roupa esfarrapada e era depressivo”.
Acompanhamos, a par do turbilhão adolescente de Riad e das suas escolhas para o percurso escolar – irá agora para o 10º ano -, toda a tensão familiar, reflectida na deterioração física e mental da mãe e dos avós, perante a incerteza do regresso de Fadi. Mãe que irá ao santuário de Lourdes em busca do auxílio dos deuses. “Era preciso fazer fila, como na Euro Disney”, conta-nos Riad. Que a publicação do 6º volume não demore tanto desta vez.
De origem franco-síria, Riad Sattouf nasceu em Paris no ano de 1978. Passou a sua infância na Argélia, na Líbia e na Síria, país onde recebeu uma educação muçulmana. Regressou a França com 12 anos de idade, prosseguindo os seus estudos – primeiro em Cap Fréhel e, mais tarde, em Rennes, cidade onde ingressou na Escola de Belas-Artes. É actualmente um autor de BD de grande sucesso, tendo assinado, entre outras obras, “Retour au collège”, “Pascal Brutal” (Fauve d’or 2010) ou “La vie secrète des jeunes”, que publicou semanalmente em “tiras” entre 2004 e 2014, na revista “Charlie Hebd”. Em Portugal, da sua autoria, foi também publicado – em dois volumes – o primeiro álbum de “O Diário de Esther”. É igualmente um (re)conhecido cineasta, tendo realizado “Les Beaux Gosses”, galardoado com um César para o Melhor Primeiro Filme em 2010, e “Jacky au Royaume des Filles”, que estreou em França no ano de 2014.
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