“O meu nome é Riad. Em 1988, tinha quase 10 anos e era bastante charmoso”. As palavras são Riad Sattouf no lançamento de “O Árabe do Futuro 4” (Teorema, 2020), o quarto volume de uma novela gráfica de cariz autobiográfico onde, com muito humor e sensibilidade, nos conta a sua infância e juventude passadas na Líbia do General Kadafi e na Síria de Hafez Al-Assad.
Inicialmente pensado como uma trilogia, este Árabe do Futuro tem ainda futuro incerto. Da ideia inicial de trilogia passou a ser projectado como uma tetralogia, avançando-se depois com, pelo menos, 5 volumes, mas a verdade é que, depois da edição deste tomo em 2008, nada mais aconteceu.
A ideia para esta obra surgiu em 2011, ano em que teve início a guerra civil na Síria. Nascido em França, Sattouf é descendente de um pai sírio e de uma mãe bretã, tendo emigrado em tenra idade com a família para a Líbia e, mais tarde, para a Síria. São essas as vivências que Riad recorda nesta novela gráfica de grande fôlego, que mistura o olhar distanciado, intenso e inocente da infância com uma visão sociológica – e mais adulta – do que é ser estrangeiro, obrigado a uma constante necessidade de adaptação.
Este quarto volume cobre o período que vai entre 1987 e 1992, dos 9 aos 14 anos de Riad, acompanhando o seu adeus à infância e o mergulho na adolescência, numa vida passada entre a Europa e o Médio-Oriente. Um livro onde assistimos à desintegração da vida familiar de Riad, o que, mais tarde, levará o pai a dar um “golpe de Estado” – como se pode ler na contracapa -, surgindo este aos olhos do leitor como um vilão incapaz de aceitar as diferenças culturais de um Ocidente – e de uma mulher – que aos seus olhos nunca passará de um Infiel.
Quando o pai aceita o lugar de professor de história contemporânea na Universidade de Riade, na Arábia Saudita, a mãe recusa-se a segui-lo, dizendo que “é o pior país do mundo”. Ficam assim em França, onde a mãe acaba por conseguir um emprego e os avós lhes vão dando uma ajuda tremenda. Por esta altura, é notório o jeito de Riad para o desenho e uma inabilidade extrema para com as miúdas.
Em 1988, ano de eleições presidenciais, Miterrand termina o primeiro mandado e candidata-se ao segundo. O pai de Riad defende que a história de França é controlada pelos judeus para protegerem Israel, e que um dia os árabes terão a sua vingança, com Israel e todos os seus aliados a serem vencidos.
Com a doença da avó – mãe do pai -, a família vê-se obrigada a regressar à Síria, algo que vai acentuar ainda mais as diferentes visões dos pais de Riad em relação à política, ao mundo, à vida e à ideia de um futuro em comum. Também Riad irá aqui experienciar a não pertença, seja pelo esquecimento da língua ou as saudades de um mundo menos rígido. O pai acaba por ter de sair da Síria, acusado de ter desertado aos 30 anos, e a família regressa uma vez mais a França, onde mais tarde se mudará para Rennes, cidade onde Riad irá frequentar o liceu, experimentar cortes de cabelo à Tom Cruise, apaixonar-se por uma miúda que não existe ou desenvolver uma tara pela Cindy Crawford, olhar o avô como um potencial guru – com conselhos incríveis como “entra nas lutas mas faz-te às miúdas” -, sentir muitas dificuldades na integração escolar e perceber, também, que o futuro dos pais nunca acontecerá: “Eu tentava imaginar os meus pais, velhos e reformados, juntos. E tinha a certeza absoluta de que isso nunca aconteceria”.
As ilustrações de Riad Sattouf são incríveis, com uma grande expressividade e balões de texto que se conseguem fazem ouvir, em capítulos dominados por cores únicas que, a espaços, integram apontamentos de cores alternativas, mas sempre girando à volta do azul, do vermelho, do rosa e do verde.
2 Commentários
No entretanto já saiu o tomo 5 em França.
Que boa notícia, obrigado! Talvez em breve tenhamos edição portuguesa 🙂