Num certo episódio da série A Teoria do Big Bang, o excêntrico Sheldon Cooper fica obcecado por uma melodia, tentando perceber de onde terá sido arrancada aquela linha musical que não o deixa pensar em mais nada. Depois de muito fritar o neurónio, durante dias de uma penitência auto-infligida, percebe tratar-se de “Darlin`”, o tema dos Beach Boys que abria o lado B do álbum “Wild Honey”, editado no longínquo ano de 1967.
Hugo, um contrabaixista a viver uma crise de inspiração, regressa a Lisboa depois de uns anos de vida louca no Quebeque, e também ele é vítima de uma obsessão parecida à de Sheldon – mas com um maior tempo de marinada: uma melodia que não lhe sai da cabeça e pede a imortalidade da pauta.
Porém, quando se prepara para desfrutar d`“O Ano Sabático” (Companhia das Letras, 2018 – reedição) e de um mergulho na que poderá ser a obra de uma vida, tudo cai por terra durante um concerto de um tal de Luís Stockman, um pianista que parece ser igual a si próprio no rosto e nos gestos – e que, nessa noite, decide estrear o tema que Hugo anda há anos a tentar completar, habitado por um dó sustenido capaz de suster a respiração. Uma semelhança física notada também pelos outros que o começam a confundir com o pianista, o que faz com que Hugo se atreva a entrar num labirinto feito de muitas contradições e introspecções, de inveja e vingança, lidando com o facto de ser um viciado na angústia, alguém incompleto e insuficiente para si mesmo.
Mas quem será esta espécie de gémeo, que parece ser “a melhor versão de si próprio”? Uma pergunta que será desmontada pelo narrador do livro, o melhor amigo do pianista, que considera a história deste “complexa e cheia de pormenores bizarros”, tratando de fintar o leitor com mestria, que verá a verdade – se é que esta existe – escapar-se-lhe por entre os seus dedos, incerto sobre se aquilo que observa faz parte deste mundo ou permanece escondido do outro lado do espelho.
Publicado originalmente em 2012, “O Ano Sabático” é João Tordo em modo vintage, território onde a sombra da morte está sempre presente e a amizade desempenha um papel fundamental para perceber que, mais do que o destino traçado desde o início, o que importa é nada mais que a viagem. Um romance onde tanto descobrimos a sombra de Dorian Gray como o reflexo do Homem Duplicado, mas também as inquietações do próprio autor. Se nunca leram um livro de João Tordo, podem muito bem começar por aqui.
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