Que acasos, desejos e convulsões desencadeiam o amor? Esta parece ter sido a tripla interrogação que levou André Breton, que ficou para a História como o Papa do Surrealismo, a escrever “O Amor Louco” (Antígona, 2019), estávamos então em 1937.
Influenciado por boa gente como Guillaume Apollinaire, Louis Aragon ou Paul Éluard, Breton criou uma estética muito particular onde o inconsciente e a loucura davam cartas e serviam de fonte criativa, tendo até desenvolvido uma técnica de escrita automática que experimentou no seu livro “Les Champs Magnétiques” (1920).
Uma vida carregada de rupturas e oposições, fosse com Tristan Tzara, um dos iniciadores do Dadaísmo – que o levou a publicar o célebre Manifesto Dadaísta – com o Partido Comunista Francês – no qual esteve filiado antes de uma incompatibilização tremenda – ou na oposição ao colonialismo francês e à defesa dos objectores de consciência.
“O Amor Louco” é, para lá de uma travessa demanda amorosa, um passeio no “traiçoeiro trapézio do tempo”, numa busca por “decantar os prazeres do recordar”. Um livro que, como qualquer outro de Breton, guarda algumas armadilhas pelo caminho, no qual o autor fala da ilusão do ser único, da legitimação do aspecto físico e acumulativo do ser amado, do seu ideal de beleza convulsiva – que terá de ser “erótico, velada, explodente-fixa, mágico-circunstancial” -, do desejo como o motor da consciência, do verdadeiro amor como não estando sujeito “a qualquer alteração apreciável através dos tempos”.
Aliás, este poderia ser lido como o livro em que André Breton, fazendo uso de um jogo de cintura e de um véu destinado a dissipar qualquer sombra de lamechice, revisita um dos seus grandes amores, uma mulher “escandalosamente bela” com quem se cruza e com quem se perde nas ruas de Paris, num exercício de memória afectiva que acaba por ser um legado à sua filha que, pela altura em que Breton o escreveu, teria apenas 8 meses – e que ele acredita que irá folhear estas páginas quando tiver 16 anos, sem já o ter por perto. A partilha de um sentimento transbordante no qual esclarece “o mistério da vossa vinda ao mundo”, acabando por formular um desejo maior: “Gostaria de saber-vos loucamente amada”.
Uma das obras essenciais de André Breton, ilustrada com fotografias de Man Ray, Max Ernst e Cartier-Bresson.
Sem Comentários