“Tu começaste a obter prazer na caça e prazer no acto de cortar, e eles terminam muito, muito depressa. Tudo se constrói em direção a Ela e a cada uma das vezes o prolongamento torna a toma mais requintada. O momento da concretização vai muito além de tudo o que se possa imaginar, mas começou a surgir demasiado depressa e depois tu regressavas ao nada, nem mesmo escuridão, apenas a ausência de luz e cor e som, de qualquer coisa, de tudo.”
Um bom policial fascina e desperta a curiosidade do leitor a partir do primeiro capítulo. Na velocidade escolhida pelo autor, para dar a conhecer a sua história, há que prender o leitor nos primeiros momentos. Um facto não restrito aos policiais, mas verificável em todos os bestsellers. Melhor do que Paula Hawkins em “A Rapariga no Comboio”, só mesmo Gillian Flynn como um dos mais sérios exemplos literários e contemporâneos, um talento capaz de prender os mais cépticos no primeiro capítulo de qualquer um dos seus livros – apesar de todo o reconhecimento estar concentrado na obra “Em Parte Incerta”. Sob o olhar do assassino, um caçador nato de almas solitárias, Sophie Jaff consegue despertar a atenção logo nos primeiros momentos de “O Amor É Vermelho” (Marcador, 2016).
Um jogo de sedução inocente, entre um homem requintado e o tipo de mulher que não se deixa, normalmente, seduzir. De tantas barreiras que coloca no seu dia-a-dia, acaba por deixa cair o seu muro para o maior predador (“Tu não és o que ela esperava. És atraente, sério. Olhas para ela apenas o tempo suficiente para a deixares desconfortável e depois ofereces-lhe um pequeno sorriso, uma mera inclinação do lábio”). E é nesta primeira morte que surge o nome da protagonista: Katherine Emerson. Pelos lábios deste homem perverso, de forma a jogar cruelmente com a jovem que tem à frente, é enunciado o nome da protagonista neste primeiro momento. Para este assassino, trata-se da primeira “mordidela depois da fome” após um período de seca. Não há melhor método para prender o leitor: uma escrita simples, colocada a uma velocidade estonteante, para descrever uma morte brutal e feroz.
Nova Iorque é uma cidade assombrada pela morte de várias raparigas, todas com um padrão semelhante de aspecto e estilos de vida. Três mulheres foram encontradas mortas com a pele danificada e mostrando desenhos arcaicos e de significados desconhecidos. Nas ruas são espalhados cartazes com o rosto das vítimas e não faltam equipas de segurança, numa tentativa vã de protegerem as próximas e possíveis vítimas. É neste ambiente que Katherine Emerson conhece o doce David Balan. Colocando qualquer desconfiança que possa surgir devido aos acontecimentos vividos na cidade, Katherine deixa-se levar por este jovem cativante. Ao conversar com um jovem tão culto e, de certa forma empolgante, não lhe faltam temas e discussões. Mas, como acontece em todas as histórias de amor contemporâneas, não podia faltar um terceiro elemento.
Ainda antes de conhecer David, num breve encontro sensual, Katherine conhece Sael, descrito como um rapaz frio, hostil e perturbante. Uma aura gelada, capaz de contrastar com a sua beleza. Durante cinco jantares, estes dois jovens trocam simples histórias da sua vida. Um termina a sua para o outro começar, sem questões monótonas sobre o dia-a-dia ou a sua personalidade. Não há como escapar a uma atracção tão intensa, como se o destino os juntasse mesmo se quisessem ir contra os seus instintos (“Então sinto a sua respiração quente no meu pescoço. Ouço o som, e sinto o movimento das mãos dele a deslizarem pelas minhas pernas enquanto se ajoelha como se numa adoração a um altar”). A partir deste momento, a cabeça e o coração de Katherine começam a ter necessidades opostas: por um lado quer levar o que sente por David, a escolha mais racional, para a frente e, por outro, apostar na insegurança da paixão por Sael. O que poderia tornar-se na maior chatice deste “O Amor É Vermelho” acaba por ser o ponto-chave e fundamental para o desenrolar deste livro: não fossem estes dois homens na vida da protagonista e muitos dos caminhos escolhidos por Katherine, que vão de encontro ao assassino, não fariam sentido.
A aliar ao enredo romântico bem construído e capaz de semear a dúvida, como um policial deve fazer, a autora consegue a perícia de ainda colocar um teor sobrenatural à história. E é precisamente este o ponto fraco de “O Amor É Vermelho”: muitas são as questões não respondidas por Sophie Jaff, apesar das histórias contadas ao longo da obra poderem justificar as motivações do assassino. Questões que o leitor espera obter resposta, uma vez que este é o primeiro livro da NightSong Trilogy, tal como é indicado no Goodreads. No entanto, tal como em todas as fascinantes histórias de suspense, a curiosidade do leitor permanece galopante.
Para além de fascinar e despertar a curiosidade, um bom policial deve ser um bom entretenimento para qualquer leitor. “O Amor É Vermelho”, a fantástica estreia de Sophie Jaff, é a melhor companhia para estes dias tão quentes. Um livro que é capaz de aterrorizar os mais sensíveis e apaixonar os corações mais ternos. Resta esperar pela continuação, de luzes bem acesas de preferência.
Sem Comentários