Diz quem sabe que os desejos de ser mãe, comprar uma casa ou adoptar um animal de estimação são produtos de um sonho. Ora, segundo Delmore Schwartz, é precisamente nos sonhos que começam as responsabilidades, quer estejamos ou não conscientes disso mesmo. Façamos um exercício de imaginação: e se conseguíssemos prever os encargos resultantes dos nossos desejos? Se os nossos sonhos nos apresentassem, a priori, as responsabilidades futuras, quantos linhagens ficariam inacabadas, apartamentos por comprar, gatinhos por adoptar? Quem aceitaria, de ânimo leve, passar horas a mudar fraldas, pagar o IMI ou passear o piruças à chuva?
O conto surreal “Nos Sonhos Começam as Responsabilidades” trata justamente deste tema: numa sala de cinema, um adolescente assiste, atónito, à projecção de um filme sobre o romance dos seus pais. Da plateia, o jovem tenta alertar os progenitores para o erro que estão prestes a cometer. Na tela, e apesar dos protestos do filho vindouro, o casal entrega-se incondicionalmente ao sonho de um futuro a dois. Soubessem eles, à partida, dos desgostos e sofrimento que a sua união iria causar, ter-se-iam casado?
“Nos Sonhos Começam as Responsabilidades e Outras Histórias” (Guerra & Paz, 2020 – reedição) foi a primeira obra de Delmore Schwartz a ser editada em Portugal. O livro é composto por várias novelas, entre as quais o conto que colocou Schwartz na ribalta e que dá nome a esta colectânea. Entre outras histórias encontramos o absurdo “O Encontro de Atletismo”, o dilema ético de “Screeno” e, também, os perspicazes retratos sociais de “O Mundo é um Casamento” e “América! América!”. Embora dedique algum espaço ao onirismo, a prosa de Delmore Schwartz foca-se no domínio do corriqueiro, não fosse o escritor um exímio retratista da América cosmopolita do período entre a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial.
Delmore nasceu em Nova Iorque a 1913, onde viria a falecer 53 anos mais tarde. Tal como um filho transporta o peso da “esperança infinita e insensata” dos seus progenitores, Schwartz carregou os sonhos de tantos outros migrantes que, tal como os seus pais, abandonaram o velho mundo europeu e, sem quaisquer garantias de um futuro melhor, rumaram em direcção à terra do progresso e da oportunidade.
Fiéis à sina dos americanos de carne e osso, as personagens de Schwartz ora fazem parte da elite, ora são marginalizadas — destinam-se ao êxito ou ao fracasso, à fama ou ao olvido e, consequentemente, à prosperidade ou à ruína. Sem surpresa, a decepção é o ponto fulcral destes contos, que relatam o brutal choque entre as expectativas e a realidade.
Valerá ou não a pena seguirmos o caminho das nossas ambições? Apesar dos finais lacónicos com que encerra os seus contos, Delmore Schwartz deixa pistas acerca da sua opinião. Uma coisa é certa: o percurso, desde o seu início, não é fácil. Afinal de contas, é nos sonhos que começam as responsabilidades.
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