Como se organizam as cidades? Que desafios lançam aos seus cidadãos? Estas e outras questões são objecto de reflexão de investigadores multidisciplinares, mas quando falamos de cidades interessa-nos essencialmente pensar nos bairros, nesses compartimentos geográficos onde a nossa vida se faz, onde vivemos, onde somos diferentes, mas sempre pessoas singulares e únicas. É no bairro que começa a cidadania: respeitamos e somos respeitados, aprendemos o valor da cooperação e da entreajuda, da liberdade e da igualdade, agregamos e incluímos. Afinal, o que faz de um bairro o meu bairro? O que faz dessa localização o centro nevrálgico de uma cidade, de uma comunidade?
“No Meu Bairro” (Nuvem de Letras, 2023), de Lúcia Vicente – com ilustrações de Tiago M -, a cidadania é uma prática que se impõe, a inclusão e a diversidade são abraçadas e o respeito pela individualidade é um princípio a seguir. Neste livro conhecemos doze moradores que habitam no bairro, doze breves histórias de vida, escritas em rima.
Assim como as casas e as ruas são distintas, com características próprias, os bairros também não são todos iguais. Têm tamanhos diferentes, construções sólidas e firmes, umas altas outras baixas, jardins, escolas, lojas, serviços e moradores com raízes e vidas diferentes – mas todos são moradores. No Meu Bairro habita o Dinis, que deu o grito que sempre quis, aliviando o seu coração, pois “já não precisava de viver angustiado”; Beatriz, a cigana feliz; João, “de sapatilhas penduradas, e leggins apertadas“, que “não anda, mas rodopia e quase voa”; Daniela, a feminista à janela; Magalhães, o menino que tinha duas mães; ou a Dandara, o Emanuel, a Esther, a Pilar, o Rodrigo ou o Amir, entre outros. Todos diferentes. Todos moradores do bairro. Todos com uma história por contar, um sonho por realizar ou um projeto por concretizar.
Este é um livro sobre ti, sobre mim, sobre todos nós. Um livro sobre a(s) nossa(s) vida(s), sobre as diferenças, mas também sobre o que somos e o que nos une. Um livro sobre as muitas perguntas que todos fazemos ou que deveríamos fazer. Um livro para nos fazer interrogar, debater e reflectir. Sem dúvida, um livro perguntador.
Lúcia Vicente decidiu utilizar “um sistema gramática neutro, que tem como base a proposta do sistema gramatical neutro ELU. (…) Esta decisão prende-se com o facto de ter procurado estar de acordo com o tema da diversidade e da inclusão”. No final do livro, encontramos um manual de apoio “para educar pessoas conscientes, empáticas e respeitadoras das individualidades e das diversidades”, que inclui um breve glossário, contactos úteis, sugestões de outras leituras e um esclarecimento sobre a linguagem neutra ELU. As ilustrações, em plena harmonia com o texto, dão visibilidade à história de cada habitante do bairro, à sua singularidade e à sua pessoa.
Lúcia Vicente nasceu em Faro, numa família cheia de mulheres. Foi a primeira desse núcleo a concluir uma licenciatura. Cedo se questionou sobre o papel da mulher na sociedade, e por que razão os livros de História nunca mencionavam mulheres. Em 1995 criou, juntamente com um grupo de amigos, o colectivo feminista MUPI (Mulheres Unidas Pela Igualdade), e dedicou-se ao activismo feminista em adolescente. Em 2018 publicou o seu primeiro livro feminista para crianças, “Portuguesas com M Grande” – os livros de princesas sempre lhe provocaram urticária. “Feminismo de A a Ser” é o seu segundo livro.
Tiago M. estudou jornalismo e Pós-Produção de Vídeo e morou em diferentes lugares, mas depois de voltar para a sua cidade natal entendeu que desenhar é o que realmente o faz feliz. É freelancer e procura sempre novos desafios.
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