Stefan Zweig, no seu livro “Nietzsche – O Combate com o Demónio” (Guerra & Paz, 2022), oferece ao leitor um retrato do filósofo alemão durante um tempo solitário e particularmente difícil. Isolamento é a palavra que melhor descreve o momento que encontrou para estar consigo próprio, contradizendo a imagem que tanta curiosidade suscita, envolvido numa solidão atroz. Solidão “que Nietzsche tece à sua volta e sobre si, como uma impenetrável campânula de cristal; uma solidão sem flores nem luz, sem música, sem seres humanos, sem animais e, até, sem Deus; essa solidão petrificada, morta, de um mundo primitivo anterior ou posterior a qualquer tempo”, vai extinguindo a sua voz e afastando amigos e estranhos, que se sentem “intimidados pelo seu heróico monólogo, assutados pelas transformações cada vez mais selvagens e pelos arrebatamentos cada vez mais ardentes do eterno solitário que foi Friedrich Nietzsche e, por isso, o abandonam. Terrivelmente só, ao seu destino”.
Biografia intelectual, emotiva e dramática de um dos maiores filósofos do século XIX, esta é uma narrativa sobre a dor, o trágico e a obsessão. Um texto essencial para compreender o pensamento filosófico de Nietzsche, as suas inquietações e paixões, assim como o demónio interior que habita em si.
Ao longo dos sete capítulos deste ensaio biográfico, o leitor conhece alguns detalhes curiosos sobre algumas das obras nietzschianas, como por exemplo que em “Ecce Homo”, a obra mais autobiográfica, a sua vida é narrada com “um cinismo que passará à história”, enaltecendo-se e vangloriando-se – já que ninguém o faz. “Assim Falava Zaratustra” é a invocação mais íntima da sua alma. “A Origem da Tragédia”, obra escrita aos vinte sete anos, “abre um primeiro fosso secreto no presente, mas o autor leva a sério a máscara do filólogo e só ocultamente há já nessa obra um brilho de coisas futuras, uma chispa de amor pelo presente e uma paixão pela arte”. Obra fulcral para a compreensão da criação artística, intensa, inquietante e reflexiva, “A Origem da Tragédia” possibilita ao leitor compreender questões existenciais e emocionais, apresentando a música como a mais bela e sublime das artes.
A sensibilidade estética implica a reconciliação entre os dois princípios estéticos: o apolíneo e o dionisíaco. Dionisio representa a desmesura, a embriaguez, o desapego à racionalidade, enquanto Apolo simboliza a beleza que encobre o sofrimento. A reconciliação de Apolo e Dionisio traduz-se no entendimento do sofrimento com alegria, como algo inerente à vida. É esta ideia que semeia a discórdia entre Nietzsche e Wagner, seu grande amigo e, mais tarde, o causador de um ódio apocalítico, que dificilmente se apagou no espírito de Nietzsche, o filósofo maldito. É na sua grande paixão, a música, que encontra a serenidade, o refúgio, a purificação das crises e catástrofes sentimentais. Encontra igualmente o último amor da sua vida, a leveza, que o ajudará a esquecer o peso, a fealdade e a obscuridade da vida.
“Nietzsche – O Combate com o Demónio” permite o encontro de dois grandes pensadores: Friedrich Nietzsche e Stefan Zweig. Se o primeiro é um espírito livre, exímio e arguto pensador, “eterno relativista dos valores”, o segundo é um dos mais profícuos e importantes autores europeus da primeira metade do século XX, um tradutor das coisas simples da vida, mas também da densidade, tensões, emoções e dotado de uma profunda humanidade.
Stefan Zweig nasceu a 28 de Novembro de 1881 em Viena, e é um dos mais importantes autores europeus da primeira metade do século XX. Dedicou-se a quase todas as actividades literárias: foi poeta, ensaísta, dramaturgo, novelista, contista, historiador e biógrafo. De ascendência judaica, empreendeu em 1934 um exílio voluntário da Áustria, então sob domínio do regime fascista de Dollfuss (austrofascismo), e viveu na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e no Brasil, onde se viria a suicidar em 1942. Da sua extensa obra, destacam-se as novelas “Amok” (1922) e “Confusão de Sentimentos” (1927), a biografia “Magalhães, o Homem e o seu Feito” (1937), o ensaio “Brasil, País do Futuro” (1941) e a autobiografia “O Mundo de Ontem” (1942). “Novela de Xadrez” foi a sua obra derradeira, concluída pouco antes do seu suicídio, a 22 de Fevereiro de 1942.
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