Ernst Lossa é uma criança alemã, aos quatro anos separada da família – pais e duas irmãs mais novas -, entregue a um lar de órfãos, em Augsburgo, ao qual se seguiu a passagem por um centro assistencial e reformatório nacional-socialistas e prolongadas permanências em hospitais psiquiátricos. Aos catorze anos morre, após ser injectado com morfina-escopolamina, a “poção mágica” alemã para fazer desaparecer todos aqueles que, cidadãos alemães, fossem doentes ou imperfeitos, passíveis de comprometer a integridade da raça.
Cinco períodos marcantes da vida de Ernst estruturam a narrativa de “Nevoeiro em Agosto” (Nuvem de Tinta, 2017): a infância junto dos pais; o tempo que passou no lar de jovens; o reformatório; e, por último, a permanência em duas unidades psiquiátricas.
A perspectiva é dada pelo olhar do rapaz, numa biografia em forma de romance, sustentada por uma aturada investigação e análise de documentos comprovativos da sua veracidade, dando rosto, voz, pensamento e sentimentos a uma – entre as centenas de milhar – vítima desconhecida da eutanásia alemã.
Percorre-se o período compreendido entre 1933 e 1944, coincidente com a ascensão de Hitler a chanceler do Reich e a capitulação da Wehrmacht. Pelo entremeio, através da família Lossa e especificamente de Ernst, acompanha-se a forma como a Alemanha procurou a raça ariana, supostamente a linhagem mais pura dos seres humanos, da qual ficavam excluídos, entre outros, mendigos, sem abrigo, ciganos, anti-sociais, portares de doenças mentais ou deformações físicas, seres imperfeitos, detidos ou internados compulsivamente.
Como as prisões não eram suficientes foram enviados para campos de trabalho ou hospitais psiquiátricos, ao mesmo tempo que eram tomadas medidas de prevenção do nascimento de crianças com doenças hereditárias. Os fracos eram eliminados e os fortes sobreviviam. Neste registo e nesta época, pelo menos duzentas mil pessoas foram consideradas indignas de viver por serem portadoras de doenças mentais e outras incapacidades físicas, feitos desaparecer através de campanhas secretas de eliminação.
Ernst Lossa pertencia a uma família imperfeita de vendedores ambulantes, sem morada e trabalho certo, considerados anti-sociais. Por onde passava, Ernst queria ser aceite e amado tal como era, não se acomodando, não aceitando mudar ou, tão só, não conseguindo fazê-lo.
Para Robert Domes, autor do livro, alemão, com uma carreira anterior também como editor e jornalista, a história verídica de Ernst Lossa – que, apesar de perfeitamente normal, foi eutanasiado por não se integrar no perfil ariano – é uma oportunidade para que a sociedade de hoje não avalie as pessoas apenas pela sua utilidade e desempenho: “São justamente as pessoas que não funcionam, que não encaixam, as pessoas com deficiência e os marginais, que nos fazem pensar nos valores fundamentais da nossa existência. Tornam a nossa vida mais rica, mais colorida e mais humana”.
“Nevoeiro em Agosto”, de Robert Domes, foi publicado originalmente em 2008 na Alemanha, tendo sido distinguido com vários prémios literários e adaptado ao cinema em 2015 pelo realizador Kai Wessel.
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