Até recentemente, Stephen King era visto apenas como o mestre do terror. As suas várias dezenas de livros e respectivas adaptações ao cinema tornaram-no um símbolo da criação de histórias horrendas e paralisantes. Com uma projecção mundial quase inigualável, Stephen King em Portugal não era um dos autores mais famosos na área da ficção, dado que o género «horror» é, se assim podemos colocar, para um nicho. Em todo o caso, esta perspectiva em Portugal tem vindo a mudar. Stephen King tem vindo a ganhar espaço e está, finalmente, a ser encarado como aquilo que realmente é: o mestre do suspense.
Ler Stephen King é sempre uma surpresa. Nunca se sabe bem o que encontrar ao virar de cada página, porque nos poderá calhar uma história de terror psicológico (Misery), um policial com subtilezas sobrenaturais (O Intruso), um cenário de terror com influências místicas (Christine), ou obras-primas do terror psicológico capazes de misturar estes géneros e muito mais (The Shining).
“Misery” (11×17, 2013 – publicado originalmente em 1987) é uma das melhores obras de terror psicológico, género que encontramos não apenas na literatura: no cinema, na televisão ou em casos documentais, são inúmeros os exemplos que se pode dar de obras exemplarmente desenhadas para levar o leitor/espectador/interessado/fanático a ficar absolutamente rendido e envolvido com a história.
Misery ganhou uma enorme visibilidade com a sua adaptação ao cinema pelas mãos de Rob Reiner, em 1990, em cujo guião Stephen King esteve envolvido – como acontece com outras adaptações. Kathy Bates, vencedora de um Óscar devido ao seu papel neste filme, encarna a personagem Annie, a leitora fanática do escritor Paul Sheldon, interpretado por James Cann, e que o torna refém. Ao jeito de Xerazade dos tempos modernos, Paul vê-se simultaneamente no papel de vítima nas mãos de uma psicopata e no papel do seu próprio salvador.
A forma como Stephen King conta a história permite que o leitor fique em suspenso desde as primeiras páginas. Sem grandes floreados, King vai directo ao assunto desde o início e não faz cerimónia em colocar a vítima em momentos críticos, de vida ou de morte, para que a passagem entre capítulos seja uma verdadeira montanha-russa de emoções. Pequenas subtilezas, como pormenores que parecem ser deixados ao acaso, são retomadas páginas à frente. A reflexão alucinante, sob medicação, de Paul, é-nos exposta a nu, obrigando-nos a navegar consigo nas ondas da loucura, do medo e da dor. A atitude e imagem demente de Annie é tão absurda quanto assustadora e real, por sabermos que está doente e que a sua doença é a loucura.
O ambiente é pesado e claustrofóbico, as personagens tão reais que quase lhes podemos tocar. A dor é tão graficamente descrita que a empatia se torna quase demasiada. A curiosidade sobre o momento seguinte é enorme. Stephen King tece uma teia simples, mas altamente firme, confirmando que não é preciso muito mais do que a mente humana, neste caso a de Annie, para se alinhar uma história que poderia muito bem ser verdadeira. Pensando nisso, será que não o é? Considerem-se os casos de pessoas que encurralam outras durante anos em caves. Stephen King conhece os conceitos do medo, da claustrofobia e da dor, e sabe como as descrever. Com este livro, ainda que houvesse dúvidas, ele é reafirmado como um excelente contador de histórias.
1 Commentário
[…] Continuar a ler no Deus me Livro. […]
https://folhasdepapel.wordpress.com/2020/01/18/misery-2013-de-stephen-king/