As fotografias têm o condão de despertar recordações antigas, velhos amores, passados esquecidos; menos habitual é que um instantâneo captado por um turista consiga ressuscitar alguém. Contudo, pasme-se, é isso que acontece com Claire Lidman: supostamente morta há catorze anos, surge vivinha da silva na fotografia de um turista, em frente à Praça de São Marcos, em Veneza, com um elegante casaco vermelho. Com essa imagem no bolso, Samuel, o putativo viúvo, recorre à dupla de investigadores Hans Rekke e Micaela Vargas para que o ajudem a encontrar a esposa. A investigação levá-los-á pelos caminhos brumosos da memória, enfrentando armadilhas e perigos vários, entre os quais um implacável arqui-inimigo de Rekke, bem como o perigoso irmão delinquente de Micaela. Rapidamente a coisa se transforma numa intriga internacional ligada aos círculos da alta finança, ao KGB e aos oligarcas russos — com uma aparição especial do próprio Vladimir Putin.
David Lagercrantz possui dois pontos fortes no currículo: por um lado, escreveu a biografia do futebolista Zlatan Ibrahimovic, publicada em 2011, que logrou um sucesso estratosférico por todo o globo; por outro, foi o escritor escolhido para continuar a trilogia Millenium, do malogrado Stieg Larsson, à qual acrescentou outros três tomos que também venderam como pães quentes.
Em paralelo, o prolífico autor continuou a criar outras histórias: é o caso desta série policial centrada na dupla Rekke e Vargas, que Lagercrantz apresentou ao mundo em “Obscuritas”, livro de 2022. Chega agora o seu sucessor, “Memoria” (Porto Editora, 2024), mais um mistério a cair no prato dos dois personagens. Rekke é uma espécie de Sherlock Holmes sueco, de intelecto afiado mas sem a vaidade do morador de Baker Street. Vargas, a sua fiel parceira, é uma jovem polícia inteligente e equilibrada, mas com um defeito fatal: um irmão mau como as cobras.
Lagercrantz não se inspirou nas histórias de Arthur Conan Doyle apenas para a sua dupla de heróis. O implacável Gabor Morovia, inimigo figadal de Rekke desde a mais tenra idade, faz as vezes de Professor Moriarty, e não falta o irmão malévolo do herói, Magnus, tal como Holmes tinha o seu Mycroft.
O livro custa a arrancar, mas ao fim de alguns capítulos consegue agarrar-nos pelos colarinhos. Os vilões são adequadamente tenebrosos, monstros medonhos representados sem grande complexidade. Contudo, Lagercrantz é tremendamente eficaz na forma como constrói o suspense, laboriosamente tecendo a sua história, passo a passo, cena por cena, ao encontro de um final emocionante. Para quem gosta de histórias de detectives, é o perfeito livro de verão: tão entusiasmante quanto rapidamente esquecível.
Sem Comentários