Foi, muito provavelmente, o romance gráfico com mais espírito cinéfilo publicado em Portugal no ano de 2023, um esmerado guião que parece apontar à grande tela. Da autoria da dupla Ethan Hawke (sim, esse mesmo) e Greg Ruth, “Meadowlark” (G. Floy, 2023) transporta-nos para a cidade americana de Huntsville, Texas, acompanhando, durante um único dia, a aventura algo tresloucada de Jack “Meadowlark” Johnson e Cooper, o seu filho adolescente. O começo é, desde logo, prometedor: “O mundo morre vezes sem conta… mas o esqueleto continua a caminhar”.
Jack considera-se “um falhanço épico”, e longe vão os tempos em que foi um pugilista dos bons, conquistando no ringue a alcunha de Meadowlark. Com um casamento que deu para o torto, vive agora num estado de penúria, que tenta ultrapassar com o parco salário de guarda prisional, não sem alguma estranheza por estar do outro lado das grades. Expulso da escola, por razões algures entre marijuana, mau comportamento e ácidos, Coop vive com a mãe e o padrasto, que descreve como “um SpongeBob sem pêlos”. A relação entre ambos está longe de ser perfeita, mas Jack vai alimentando em surdina um desejo que parece ser cada vez mais difícil de cumprir: “Todos queremos mais para os nossos filhos do que aquilo que os nossos espelhos reflectem”.
Quando três prisioneiros conseguem escapar, circulam rumores de que terão contado com a ajuda de um guarda prisional, o que faz com que Jack se torne o principal suspeito. Com o passado a assobiar-lhe aos ouvidos, vê-se envolvido numa fuga marcada pela violência, na qual Cooper irá conhecer mais a fundo aquele que tem para si como o seu grande herói, entrando sem dar conta disso na idade adulta, naquele que será também um balanço de vida.
As ilustrações gravitam num tom quase monocromático, com nuances onde cabem tons sépias, acinzentados ou azuis, em desenhos que carregam sempre uma empolgante sobriedade, mesmo nos momentos – muitos – em que a violência dispara. Inspirado pela infância de ambos os autores no Texas, não deixa de ser curioso o facto de Jack ser, em muitos momentos, a cara quase chapada de Ethan Hawke, neste policial introspectivo e que volta a juntar os autores de “Indeh” – uma história feita de ódio, sangue e vingança, que perpetuou o imaginário do Oeste com que crescemos e sonhámos (ler crítica).
Greg Ruth é o autor/ilustrador best-seller do New York Times de “The Lost Boys” e “Indeh” e, desde 1993, tem escrito livros e comics. É também autor de livros infantis como “Pure Enduring Spirit” (com Barack Obama), “Red Kite”, “Blue Kite” (com Ji Li Jiang), “A Pirate’s Guide to First Grade” (com James Prelier) e o mais recente “Coming Home”. As suas obras incluem “Sudden Gravity”, “Freaks of the Heartland”, “Conan: Born on the Battlefield”, “The Matrix” e “Goosebumps”. Vive e trabalha em Western Massachussets.
Ethan Hawke escreveu o seu primeiro romance gráfico com o ilustrador Greg Ruth, “Indeh”, que entrou prontamente no primeiro lugar da lista de best-sellers do New York Times em 2016. As suas obras literárias incluem os best-sellers do New York Times “Rules for a Knight”, “Ash Wednesday” e “The Hottest State”. Actuou em mais de cinquenta filmes e realizou três filmes e um documentário, tendo sido nomeado para quatro Óscares.
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