É um dos grandes clássicos da literatura anti-guerra, que mergulha num estado de insanidade colectiva a partir de uma história pessoal. Porém, ao invés de ter optado por um registo meloso ou apontado à lágrima mais ou menos fácil, Kurt Vonnegut antecipa o registo de uns Monty Phyton, mostrando-nos a inevitável fiabilidade e o absurdo da condição humana, conseguindo arrancar uma sonora gargalhada diante da maior das desgraças.
Estamos em Dresden, ano de 1945. Já no tempo de descontos, a cidade é bombardeada até à destruição total, com dezenas de milhares de pessoas mortas numa só noite. Um dos sobreviventes, o herói desta história, dá pelo nome de Billy Pilgrim, que sobreviveu ao massacre escondido na cave de um matadouro, lugar onde foi feito prisioneiro pelo exército alemão.
É a odisseia de Billy que o leitor irá acompanhar, soltando, de tempos a tempos, o mantra que acompanha o livro de uma ponta à outra, qual sketch humorístico: “É a vida”. Sobrevivente da queda de um avião enquanto estava a caminho de uma convenção de optometristas, Billy decide atirar com o trabalho às urtigas. Numa visita a Nova Iorque, participa num daqueles programas de rádio nocturnos, onde diz ter sido raptado no dia do casamento da filha por criaturas do planeta Tralfamadore, “onde foi posto em exibição nu, disse ele, num jardim zoológico. E foi acasalado com uma terráquea, uma antiga estrela de cinema chamada Montana Wildback”. Billy ganha embalagem e começa a enviar cartas aos jornais sobre a sua experiência, que as publicam para desespero da sua filha, que o vê como um pai senil aos 46 anos.
No meio deste circo do absurdo, Kurt Vonnegut ainda saca da cartola Kilgore Trout, uma escritor de ficção científica com dezenas de livros publicados, um deles “sobre uma árvore do dinheiro. As folhas eram notas de vinte dólares. As flores eram Títulos do Tesouro. Os frutos eram diamantes. Atraíam os seres humanos, que se matavam uns aos outros ao pé das raízes e davam um excelente adubo. É a vida”.
A dado momento, quando se pensa que Kurt Vonnegut se limitará a encantar-nos neste universo de pequenos absurdos, somos confrontados com o peso da realidade, lendo o aterrador discurso com que Truman, o então presidente de todos os americanos, brindou o mundo após o genocídio de Hiroshima.
Em “Matadouro Cinco” (Alfaguara, 2022), Vonnegut transformou um episódio pessoal dramático num romance genial, uma obra-prima com muito nihlismo pelo meio sobre o absurdo da guerra. É a vida, apetece dizer.
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