“Marcha Para a Morte” (Devir, 2018), do japonês Shigeru Mizuki, é o terceiro volume da colecção Tsuru – que significa grou -, inspirada na ave Grus japonensis, símbolo de permanência e longevidade, que reúne autores japoneses clássicos e contemporâneos, reconhecidos pela sua contribuição para a arte da banda desenhada – e, sobretudo, para a cultura japonesa.
Neste livro, Mizuki faz-nos regressar a finais de 1943, acompanhando os soldados de uma companhia da infantaria japonesa a quem é ordenado que morram em honra do seu país, caso contrário serão executados no regresso da batalha.
Para esta novela gráfica magnificamente ilustrada a preto e branco, o autor baseou-se na sua própria vida enquanto soldado, mostrando em paralelo a futilidade da guerra, a estupidez da mentalidade militar e, também, o absurdo japonês de achar que a morte é preferível à rendição. “Que força é essa que se obtém em troca da perda de homens com um futuro pela frente?”, lê-se a certa altura.
A galeria de personagens é excepcional, a começar nos militares de topo: o Sargento Honda, alguém que está entre ser um puro urso e mostrar ter um bom coração, um tipo capaz de soltar frases para gravar em azulejos de quartel como “os praças são como tapetes, quanto mais se bate, melhor ficam”; ou o Major Tadokoro, empurrado para comandar um destacamento de 500 homens, que se irão inspirar nos também 500 homens que morreram séculos antes seguindo o samurai Dainanko.
Há conversas sobre sexo e a falta dele, come-se arroz cru para acalmar o estômago – mesmo que isso traga a malária – visita-se um bordel onde vigora a lei dos 30 segundos para dar tempo a toda a gente, caça-se um porco para que o novo ano traga alguma esperança.
Mizuki mistura de forma surpreendente o humor com o espírito contestatário dos diálogos, entre a obediência cega e o levantar da dúvida, algo que nos é dado, de igual forma, através das ilustrações, que alternam o traço da inocência dos soldados com os cenários de guerra, que surgem de forma quase apocalíptica, carregada, fechando de forma devastadora não sem antes deixar um lamento: “Devem-se ter sentido todos assim quando morreram. Sem ninguém para os acompanhar até ao fim. Sem ninguém com quem falar. Apenas a certeza de que seremos esquecidos”. O absurdo da guerra servido às tiras num livro incrível.
“Marcha Para a Morte” levou para casa o Prémio de Herança do Festival de Banda Desenhada de Angoulème, em 2009, bem como o Prémio Eisner para Melhor Edição Americana de Material Internacional – Ásia e Melhor trabalho baseado em factos reais (2012). Brevemente chegará às livrarias o quarto volume da colecção Tsuru: “O Gourmet Solitário”, de Jiro Taniguchi, de quem a Devir publicou já o recomendadíssimo “O Homem que Passeia”.
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