A última obra de António Mega Ferreira abre com o esclarecimento da origem do aforismo “Uma imagem vale mais que mil palavras”, o qual inspirou “Mais que Mil Imagens” (Sextante, 2020), um livro de emoções estéticas.
Num tom ensaístico, pessoal e intimista, o autor partilha reflexões sobre design, pintura, cinema, fotografia e arquitetura, mostrando como os estímulos visuais desencadeiam o desejo de escrever, procurando as mais belas e sensíveis palavras para exprimir a emoção e o afecto de observar mil imagens, mil objectos. “Longamente urdido“, o livro nasce da determinação de partilhar as razões pelas quais estas imagens, e possivelmente muitas outras, foram significativas para António Mega Ferreira quando as admirou pela primeira vez. O impacto das imagens foi tão forte que ainda hoje habitam em si, fazem parte do seu mundo.
António Mega Ferreira partilha com o leitor reflexões sobre a imagem em diferentes formatos, destacando as pictóricas – onde se encontra a fotografia, a pintura, a gravura e outras das Artes Visuais – ou ainda a imagem em movimento – onde se inclui o cinema.
O poder da imagem exerce, em nós, o poder inconsciente e invisível de nos ensinar a olhar, a ver, a pensar e a ler o mundo. Afasta-nos da apatia. Transforma e educa. Mas o que é, afinal, uma imagem? A representação visual de uma pessoa ou de um objecto. Realidade? Imaginação? Efemeridade? Aparição? Ou será apenas a forma como o sensível apreende o real? Ou simplesmente pura emoção?
No primeiro texto, António Mega Ferreira fala-nos da relação “atenta e afectiva” com o mobiliário, do seu amor pelos móveis, nomeadamente pelas cadeiras – “Sempre vi nas cadeiras mais do que simples elementos funcionais. (…) A cadeira suspensa de Marcel Breuer acrescentou mistério ao encanto sobrenatural que as cadeiras tiveram para mim, desde a primeira infância”.
Jan van Eyck, Turner, Fragonard, El Greco, Caravaggio, Boticelli, João Queiroz, Lucien Freud, Francis Bacon, entre outras referências aos grandes nomes da pintura, ofereceram ao leitor poder apreciar, valorar, aprofundar os conhecimentos da cultura, mas também reflectir sobre as conexões que se estabelecem, o que o sente e o que se vê ao olhar as belíssimas pinturas que todos nós herdámos.
Fotografia. A arte de capturar o momento, o instante, dar visibilidade ao pormenor, os close-ups. Trata-se da arte da imagem estática. Edward Weston, um dos mais importantes fotógrafos do século XX, é admirado por António Mega Ferreira pela sua “sensualidade e materialidade tridimensional”, “um escultor sem martelo, um poeta da densidade. Corpos como frutos, frutos como corpos”. A imagem dos corpos retratados por Lucien Fred retrata uma colossal capacidade de observação, resultando num hiper-realismo que se traduz em pinceladas grossas, que dão espessura aos “corpos em tensão, alheios da vida, e, no entanto, há ali uma humanidade latente que nos reconcilia com eles, por simpatia, compaixão ou reconhecimento”.
Como esquecer as imagens do Sétimo Selo, de Ingrid Bergman, onde a terrível “inevitabilidade da Morte e da sua crueldade” mostra o golpe de génio de Bergman: “dar aparência humana e voz e vontade à figura da Morte, encarnada num hábil jogador de xadrez que tem o privilégio de sempre vencer”. Há imagens fortíssimas. Poderosas. Inesquecíveis.
Há imagens que nos deixam sem palavras. Outras que nos oferecem muitas palavras. A propósito desta relação dialética, entre a imagem e a palavra, o autor recorda o escritor Marcel Proust que, depois de ver o quadro “Vista de Delft”, da autoria de Vermeer, foi imediatamente para casa “compor o episódio da morte Bergotte, que é um dos momentos culminantes do seu romance Em Recherche du Temps perdu”.
António Mega Ferreira, escritor, gestor e jornalista, nasceu em Lisboa em 1949. Estudou Direito e Comunicação Social, foi jornalista no Jornal Novo, no Expresso, em O Jornal e na RTP, onde chefiou a redacção da Informação do segundo canal. Foi chefe de redação do JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias. Fundou as revistas Ler e Oceanos. Chefiou a candidatura de Lisboa à Expo’98 e foi comissário executivo da Exposição Mundial. Escreve ficção, ensaio, poesia e crónicas.
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