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“Luanda, Lisboa, Paraíso” | Djaimilia Pereira de Almeida

Por Julia Martins · Em 31/01/2019

“Se uma história se parece com o corpo de um animal, então pode começar por um calcanhar. O calcanhar esquerdo do filho mais novo de Cartola de Sousa nasceu malformado. O pai deu-lhe um nome helénico, tentando resolver o destino com a tradição.”

É assim que começa “Luanda, Lisboa, Paraíso” (Companhia das Letras, 2018), livro que não se consegue ler num só fôlego. Se, por um lado, é dura a viagem da miséria humana, por outro são belas as palavras que descrevem os cruzamentos geográficos, a metamorfose humana. Ao virar cada página é necessário, por vezes, parar, para voltar depois a saborear cada palavra. Todas-poderosas. Escolhidas com elegante sensibilidade. A experiência do desenraizamento, a existência silenciosa, a condição social do homem, a diáspora, o amor, amizade e a família são temas que atravessam esta magnífica narrativa de Djaimilia Pereira de Almeida.

O parto de Aquiles deixara Glória, sua mãe, imobilizada na cama onde passa os anos seguintes. É esse estado de doença que a impede de viajar com o marido e o filho para Lisboa, ficando em Luanda ao cuidado da filha, Justina.

Luanda Lisboa Paraíso, Companhia das Letras, Deus Me Livro, Djaimilia Pereira de AlmeidaAos catorze anos, Aquiles, na companhia de seu pai, despede-se de Luanda sem certezas quanto ao regresso, e ruma a Lisboa para ser submetido à operação e tratamentos adequados, com o objectivo de corrigir a malformação. Partem, ambos, cheios de fantasias e esperanças.

Em Lisboa, o sonho desvanece-se. “Os primeiros passeios pela baixa perderam o encanto, Cartola e Aquiles já não se lembravam de como a cidade lhes tinha começado por parecer silenciosa. (…) Pai e filho perderam a ilusão de que Lisboa os aguardava e de que ali podiam contar com alguém ou esperar alguma coisa do futuro, a cidade tornou-se uma barulheira”. As dificuldades na Pensão Covilhã, bem como o afastamento do Dr. Barbosa da Cunha, amplificam a miséria e a evidência de que não são acolhidos como portugueses.

É necessário recomeçar, apesar do sonho esfumado. “O pai de Aquiles queria vomitar Luanda, mas ainda não conseguia; queria livrar-se da primeira vida, mas ela fazia-lhe frente; passar à próxima etapa, mas era ainda o mesmo homem. (…) Ainda no hospital, Aquiles tenha deixado de se sentir angolano”. Cartola “chorou pela primeira vez em Lisboa, mas não lhe caiu nenhuma lágrima”. Não chorou por Luanda. A decisão estava tomada – o regresso à terra natal não ia acontecer, a memória de Luanda dissipava-se. Cartola e Aquiles vivem vidas díspares, marginais, repletas de memórias e silenciamentos, de transmutações, de esperança e pessimismo.

Pouco a pouco, esquece o parteiro que foi em Luanda. A vida em Lisboa complica-se, mas uma nova vida começa no Paraíso, um bairro de lata. Pai e filho vivem em condições precárias, mas é no Paraíso que a esperança e a felicidade, ainda que fugazes, invadem as suas vidas. Pepe, o taberneiro, dá sentido à palavra amizade – “Aquiles achava Pepe patusco e gostava que o pai tivesse feito um amigo após tanto tempo”. O afecto ganha significado e Iuri, o miúdo negro do Paraíso, é prova disso. “Pepe e Cartola decidiram-se a resolver a vida do miúdo”, dando-lhe o melhor verão da sua vida e facultando a oportunidade de aprender a ler e a escrever. Aos nove anos, Iuri vive o entusiasmo de ir à escola pela primeira vez.

O amor. O amor aos filhos, à neta, à Glória. Em “Luanda, Lisboa, Paraíso”, o amor pela família é transversal à narrativa. Os telefonemas e as cartas mantêm vivo o amor entre Glória e Cartola, mas o ressentimento da distância de Cartola é bem visível num dos bilhetes de Glória, marcado pela ausência de palavras – apenas a sombra dos seus lábios marcados pelo batom. Cartola “dava conta de se ir esquecendo a pouco a pouco da cara dela”. Afinal, quem era Glória? A sua única ligação ao passado. Apenas uma memória.

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