• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
Livros a Oeste, Margarida Vale de Gato, Tânia Ganho, Deus Me Livro
Mil Folhas 0

Livros a Oeste: na tradução é que está o Ganho (e o Gato)

Por Pedro Miguel Silva · Em 16/05/2018

“Traduzir não é clonar“. Foi este o desafio, em estilo de provérbio literário, que o festival literário Livros a Oeste lançou às tradutoras Tânia Ganho e Margarida Vale de Gato, numa conversa que decorreu na Escola Secundária Dr. João Manuel da Costa Delgado, Lourinhã.

Encontrando-se as tradutoras em universos diferentes, pretendeu-se saber se é assim tão diferente traduzir poesia e prosa. Para Margarida, “a diferença está no tempo, é uma questão prática“, uma vez que pode traduzir um poema num único dia o que, na maior parte das vezes, é impossível quando tem entre mãos um romance. Os problemas, esses, são idênticos em ambos os géneros literários, havendo que identificar o estilo do autor, que vem da individualidade de cada  obra. “É contraproducente um tradutor pensar que vai traduzir sempre da mesma maneira“, afirmou Margarida apresentando a função do tradutor como a de um barqueiro quase arrancado à ficção científica: “Quando traduzo tenho de inventar coisas, de pegar em palavras para as encaixar num planeta que já existe“.

Tânia Ganho começou por apontar para o domínio da tradução em tudo o que nos rodeia, seja nos rótulos de frascos de shampoo ou cremes, nas Apps ou nas séries, filmes e outros programas a que assistimos em pequenos e grandes ecrãs. Em relação ao universo de tradução, a preferência tem recaído sempre na prosa, tendo no entanto um privilégio que, normalmente, está vedado à grande maioria dos tradutores: “Tenho a liberdade de traduzir os textos que escolho“. Numa profissão que “exige disciplina mas sobretudo paixão“, o acto de traduzir reflecte-se numa “relação íntima com o autor” – “Leio os outros livros, as críticas, as entrevistas” – e também com muitas horas dedicadas à pesquisa. Para “Um Gentleman em Moscovo” (D. Quixote, 2018), por exemplo, viu durante horas fotos do hotel para sentir a atmosfera, num livro que é, quase todo ele, passado entre paredes, tudo para poder “mostrar outro mundo que não é o nosso“.

“Para traduzir poesia e preciso ser poeta?“, pergunta João Morales. Margarida acredita que não, até porque “a poesia é a linguagem que trazemos no coração, que sabemos de cor. Todos temos um pouco de poeta dentro de nós“. E menciona o filme “Paterson”, onde a certa altura se ouve uma pérola como esta: “A poesia não faz as notícias mas há quem morra pela falta dela“.

livros-a-oeste_featured

“Por vezes tenho a cabeça cheia de personagens, de frases“, afirma Tânia referindo-se  ao processo de transição, por vezes complicado, entre livros, referindo que “há personagens que ficam sempre“, essencial para quem é também leitor.

Outro handicap, sobretudo no que à língua inglesa diz respeito, tem a ver com o género – ou da falta dele – no texto que se está a traduzir. Margarida diz que há sempre a hipótese de se tentar encontrar um adjectivo que não tenha género, como trocar “louco” por “demente”, mas que estando o autor vivo é sempre possível enviar um mail: “Gosto muito do diálogo“.

No que toca aos benefits, a tradução junta “ler e investigar“, duas das coisas de que Margarida mais gosta. Mas de onde surgiu esta voracidade? “O impulso de traduzir vem do impulso de ler“, diz, antes de referir que o grande objectivo do tradutor é estar em uníssono com o autor e que, podendo escolher, o melhor é deitar fora aquilo que não faz parte do seu universo pessoal: “O acto de confiança inicial com o autor é essencial“.

“Eu não tenho esta linguagem, este mundo não é meu. Temos de ter a noção dos nossos limites“, refere Tânia Ganho a respeito de “Trainspotting”, livro de Irvine Welsh que  não gostaria de traduzir pelo facto de a linguagem que o atravessa não ser a sua. Um livro que acabou de forma épica no grande ecrã pela mão de Danny Boyle, mas que estranhamente – ou não – nenhum dos muitos alunos na sala tinha visto.

Sobre o tema da plasticidade da língua como algo de fundamental para a tradução, Margarida mencionou o projecto favouritepoem.org, aproveitando para passar um vídeo onde John Ulrich, um estudante de Boston, lê com sotaque carregado o curtíssimo “We Real Cool”, poema de Gwendolyn Brooks, uma mulher de raça negra, escrito em 1960. E que, num certo verso, foi traduzido desta forma numa parceria entre Margarida e a sua filha, que a ajudou a transpor o poema para os dias de hoje e para uma outra geografia: “Curtimos a drena / Nós morremos, temos pena“, que arrancou uma ovação que só por pouco não foi de pé.

A propósito do mito urbano de os tradutores estarem com os dias contados, substituídos por um exército de Sofias da tradução, Tânia Ganho aproveitou para ler o resultado de uma tradução googliana, plena de palavras como “legal” e atravessada por um acentuado e muito deslocado sotaque brasileiro. Quanto ao humor, lugar onde normalmente se encontram as maiores dificuldades na tradução, Tânia disse fazer tudo ao seu alcance para evitar as notas de rodapé, mesmo quando se depara com o inconfundível british humor. Well done girls!

 

Foto: Município da Lourinhã

Livros a OesteLivros a Oeste 2018Margarida Vale de GatoTânia Ganho

Pedro Miguel Silva

Pode Gostar de

  • Uzumaki, Deus Me Livro, Crítica, Devir, Junji Ito, Mil Folhas

    “Uzumaki” | Junji Ito

  • Deus Me Livro, Crítica, Fábula, Lendas das Estrelas, Mitologia e Sabedoria do Mundo, Mitologia e Sabedoria dos Céus, Claire Cock-Starkey, Mil Folhas

    “Lendas das Estrelas: Mitologia e Sabedoria dos Céus + Mitologia e Sabedoria do Mundo” | Claire Cock-Starkey

  • Marcador, Deus Me Livro, Crítica, Império de Tempestades, Torre da Alvorada, Sarah J. Maas, Mil Folhas

    “Império de Tempestades” + “Torre da Alvorada” | Sarah J. Maas

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Mil Folhas

  • Uzumaki, Deus Me Livro, Crítica, Devir, Junji Ito,

    “Uzumaki” | Junji Ito

    03/06/2025
  • Deus Me Livro, Crítica, Fábula, Lendas das Estrelas, Mitologia e Sabedoria do Mundo, Mitologia e Sabedoria dos Céus, Claire Cock-Starkey,

    “Lendas das Estrelas: Mitologia e Sabedoria dos Céus + Mitologia e Sabedoria do Mundo” | Claire Cock-Starkey

    02/06/2025
  • Marcador, Deus Me Livro, Crítica, Império de Tempestades, Torre da Alvorada, Sarah J. Maas,

    “Império de Tempestades” + “Torre da Alvorada” | Sarah J. Maas

    02/06/2025
  • Boa Noite Punpun 3, Boa Noite Punpun, Inio Asano, Deus Me Livro, Devir, Crítica,

    “Boa Noite, Punpun 3” | Inio Asano

    02/06/2025
  • Eu (Odeio) Adoro Livros, MariaJo Ilustrajo, Deus Me Livro, Fábula, Crítica,

    “Eu (Odeio) Adoro Livros” | MariaJo Ilustrajo

    30/05/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • June 2025
  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto