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Livros a Oeste: a arte da escrita segundo Filipe Homem Fonseca

Por Pedro Miguel Silva · Em 21/05/2019

Ambientado em Lisboa, mais concretamente no bairro da Graça, “A Imortal da Graça” é o terceiro romance de Filipe Homem Fonseca, que esteve há dias no festival literário Livros a Oeste, numa apresentação que acabou por ir muito para além do livro, debruçando-se sobre o próprio acto e o processo de escrita.

“Lisboa está em obras constantes. Na altura em que decidi escrever o livro, parecíamos estar sitiados, a viver numa zona de bombardeamento. A partir desse quotidiano de obras lembrei-me de uma história com a gentrificacão como pano de fundo, onde as pessoas que continuam a poder viver na cidade são as idosas, que graças a algumas leis ainda não podem ser despejadas. Imaginei que essas obras estavam de tal maneira presentes que acabavam por criar uma barreira, que impedia as pessoas de entrarem e saírem dos seus bairros, excepto os turistas e as crianças.”

Neste romance que ainda não nos passou pelas mãos há, por exemplo, velhinhas que lutam pelo estatuto de serem a mais velha das velhas, ou o Gabriel, um tipo que ganhou o Euromilhões mas que não consegue sair do bairro para levantar o prémio. Um transtorno que acaba por afectar todo o bairro, criando uma galeria de personagens de alguma forma excêntricas.

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Poderá “A Imortal da Graça” ser lido como uma memória de uma cidade, lança João Morales na moderação. “O grande tema do livro a memória, a ideia de que as cidades são um organismo em permanente mutação, mas que esse crescimento não tem de implicar uma perda de identidade. É um livro sobre crescimento, sobre mudança, um alerta para o desbaratar da memória – isto sou eu a aproximar-me da idade de Matusalém. Venham os turistas todos, mas mantenha-se a identidade“.

Vivemos, afinal, tempos onde o típico se transformou em “very typical”, o pastel de bacalhau com queijo da serra é vendido aos turistas como uma iguaria centenária e se vai navegando entre o vintage e o retro como as tendências a seguir.

João Morales apontou, também, para o forte simbolismo presente no livro, bem como a ideia de perda e de fixação da memória que o atravessa. “Para além de ser o nome do bairro, Graça é também a personagem central, que ao contrário de Gabriel não quer sair do bairro. A forma como ela o consegue é tomando conta de Celeste, a senhora centenária. Durante o processo de fixação de memórias tendemos a deixar ficar as mais traumáticas, pondo de lado outras que foram importantes durante o nosso processo de crescimento. Graça é uma personagem que se caracteriza mais pelo vazio, alguém desprendido, que só tem interesse naqueles metros quadrados. A única vez no livro que toma contacto com a perda acontece metaforicamente através de um objecto”.

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Filipe Homem Fonseca falou, também, do seu processo de escrita, bom como de uma dinâmica criativa onde são as personagens a dominar a cena: “O meu objectivo quando estou a escrever é o de que as personagens tomem conta. Este livro está repleto de opiniões que não são as minhas. E isto não é nada de esotérico, não baixou um espirito em mim. Quando atiras as personagens para dentro da história o universo transforma-se. Se dermos espaço para isso o livro acontece quase independentemente de nós. Na primeira reescrita, como diz Neil Gaiman, é quando damos a entender que tudo aquilo foi pensado desde o início. Este esteve repousado durante sete meses e, quando a ele regressei, já tinha deixado de lado os afectos, consegui ser mais analítico. E de repente há uma altura em que dizemos: está fechado, acabou”.

Saber o princípio e o fim de uma história é sempre meio caminho andado para a escrita de um romance, mas Filipe Homem Fonseca gosta de recusar tudo aquilo que surge como uma linha recta. “O meu processo de escrita não e linear. É uma constante reescrita, deito muita coisa fora. Estou em constante edição de mim próprio, é um processo doentio. Algo muito diferente do trabalho de escrita de guionista, apesar de partilharem constantes recuos e avanços temporais”.

Livros a Oeste, Livros a Oeste 2019, Deus Me Livro, Filipe Homem Fonseca, Quetzal, A Imortal da GraçaUm processo que busca algo no leitor, no qual a técnica de escrita desempenha, também, um papel muito importante – ao lado da imaginação e dessa busca de inconsciência necessária para que as personagens tomem conta: “Gosto que haja uma ressonância emocional no leitor, não estou interessado no exercício intelectual. Para lá chegar existem técnicas de escrita. O anterior livro, por exemplo, era quase todo passado na cabeça de uma pessoa, era o livro daquele gajo. Este é um livro construído a várias vozes, onde o final me surgiu primeiro que o começo”.

Livros a Oeste, Livros a Oeste 2019, Deus Me Livro, Filipe Homem Fonseca, Quetzal, A Imortal da GraçaUm processo onde, ao lado orgânico e às circunstâncias, se junta como que uma banda sonora única, que soa de forma diferente a cada escritor: “Esse lado orgânico da construção da história obriga o próprio escritor à descoberta. É natural que a história e as abordagens se vão moldando. E que as circunstâncias e as personagens que se vão criando acabem por conduzir a uma inevitabilidade. As histórias São como a música, sentimos a certa altura que o refrão esta a chegar. Tem a ver com a musicalidade que as histórias, enquanto organismos vivos, têm”.

Na escrita de Filipe Homem Fonseca, o real parece servir apenas de trampolim para a ficção, ele que tem como grande escola e alimento profissional a escrita televisiva: “A realidade, para mim, é uma plataforma para a ficção. E a ficção é o lugar onde encontro a verdade. A minha grande escola é a escrita televisiva, que envolve diálogo, respeito pelas autorias e, mais do que isso, perceber com quem se trabalha. Temos sempre de tirar o melhor das pessoas que estão a trabalhar connosco. Não sou tarefeiro. Não consigo lidar com historias que me São apresentadas com principio, meio e fim. No meu processo orgânico como escritor há uma necessidade de transformação. A escrita é uma questão de filigrana, de sustentação. Respeito mais a criação do que as pessoas com que estou a trabalhar, e elas respeitam-me por isso. Não quer dizer que tenha de existir a mesma visão, é preciso haver conflito para que as historias aconteçam. Mas por vezes há-que entrar neste jogo de enganos, e aí eu não tenho quaisquer escrúpulos”. “A Imortal da Graça” está disponível nas livrarias com o selo da Quetzal.

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Fotos gentilmente cedidas pelo Município da Lourinhã.

O Deus Me Livro esteve na Lourinhã a convite do Município da Lourinhã, organizador do festival literário Livros a Oeste – com o programador João Morales.

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Pedro Miguel Silva

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