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Livros a Oeste 2022: há literatura sem ser preciso andar aos papéis

Por Pedro Miguel Silva · Em 12/05/2022

Arrancou a 10 de Maio a 10ª edição do Livros a Oeste, festival literário que decorre na Lourinhã até ao próximo dia 14. A eterna ameaça ao livro em formato papel, o papel da tecnologia nas novas formas de leitura ou a importância (esquecida) da banda desenhada foram alguns dos temas discutidos por Maria Emília Brederode Santos, Rui Zink e Afonso Cruz, numa sessão que decorreu no Auditório Dr. Afonso Rodrigues Pereira e que teve, como epíteto que poderia ter sido escolhido por um prisioneiro com uma boa biblioteca, “Temos Livros, Somos Livres”.

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De que forma irá a tecnologia alterar – ainda mais – a nossa relação com a palavra, sobretudo com a sua versão impressa? Uma questão lançada pelo moderador João Morales e que serviu para um recuo na linha temporal com um certo ar de balanço existencial. Maria Emília Brederode Santos apontou a grande variedade de suportes que a leitura passou a ter, referindo o lado mais efémero da palavra tecnológica em relação à palavra escrita. Foi dela, citando alguém que apanhou nas linhas virtuais, a máxima da noite: “a inteligência é a tolerância à incerteza”. Para a educadora, a leitura desempenha um papel fundamental nesse fomentar da nossa tolerância à incerteza.

Rui Zink salientou que a leitura não é apenas feita de palavras, e que até com emojis se poderão construir belos sonetos. Falando do século xx como “o século de todas as perdas e também das novas formas verbais”, destacou o papel da tecnologia na mudança da nossa relação com o tempo, do seu encurtamento, aproveitando para citar Scarface e apontar o dedo à cultura americana e a uma americanização à escala planetária. E, mesmo tendo crescido entre uma biblioteca que foi do pai e antes do avô, considera que a revolução digital não significará o fim da leitura, mesmo que olhe para o papel como a fonte originária e os dispositivos alternativos de leitura como um bom complemento.

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“Prefiro mil vezes a sociedade onde vivo do que a sociedade onde nasci”. Palavras do “relativamente optimista” Afonso Cruz que, olhando para o imparável movimento da história humana, considera estarmos melhor em todas as frentes, seja em relação à fome, à guerra, ao tratamento de crianças com cancro ou à própria leitura. “Há mais gente a ler”, disse, referindo que não deveremos, ainda assim, confundir leitores com quem sabe ler. “Mas o caminho pode ser feito”. Sobre o tão falado estudo da Gulbenkian, onde foi apurado que quase por cento dos inquiridos não tinha lido um único livro durante um ano, preferiu destacar um outro aspecto: os 50 por cento de pessoas que admitiram não conseguir fruir da arte, dizendo serem incapazes de a compreender. “Uma das coisas fundamentais será fazer as pessoas aproximarem-se da arte sem necessidade de um doutoramento”. Considerando que a leitura sempre foi um nicho, “um entretenimento ciumento”, partilhou as palavras do filho quando, numa situação de aborrecimento, reagiu à possibilidade de o combater através da leitura: “Prefiro morrer de tédio”. Isto porque a leitura exige, de nós, um compromisso quase total. “Na literatura, ao contrário da música, estamos sozinhos”. Sobre a tecnologia, defendeu que desde os primórdios que fomos seres tecnológicos, seja na invenção de óculos, de roupas ou da própria linguagem, numa artificialidade que não será necessariamente má e que permitirá “mais escolha, mais liberdade” – dando, como exemplo, as ferramentas tecnológicas ao alcance dos ilustradores.

Maria Brederode Santos, que foi directora pedagógica do programa televisivo e da revista Rua Sésamo de 1987 a 1997, partilhou que a coisa mais importante que o programa – adaptação nos anos 80 a um programa americano dos anos 60 – trouxe foi mostrar aos pais como crianças de 3 e 6 anos poderiam aprender inúmeras coisas, tomando contacto com questões como os conflitos inter-pessoais ou tomar conta do seu corpo – isto para lá do alfabeto e das contas de somar e subtrair. “A educação informal é extremamente importante”.

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A banda desenhada, que de certa forma tem sido um parente pobre das artes – um pouco como o policial é (ou foi) olhado de lado pelas gentes da literatura -, foi trazida ao debate por João Morales. Maria Brederode Santos considera que a BD há muito entrou nas escolas, mas mostrou-se surpreendida com a relação da França com a Banda Desenhada, que ocupa talvez a maior fatia do bolo literário. “Sou um fanático de BD desde crianca”, disse Rui Zink, evocando Almada Negreiros e o seu disruptor 1+1=1, e destacando o facto de, hoje em dia, pais que não liam – ou continuam a não ler – irem às livrarias com as crianças para lhes oferecerem livros. Sobre a linguagem da BD, transpô-la para outros campos artísticos. “O teatro são bonecos com palavras, uma espécie de BD”. “A comunicação visual não é menor em relação à palavra”, comentou Afonso Cruz, destacando o papel complementar, na BD – ao contrário dos álbuns ilustrados, onde muitas vezes a escrita sobreviveria sem a ilustração -, entre a imagem e o texto, numa simbiose artística onde está sempre presente a literatura. “Depois a questão é se é boa ou má. Como em todos os géneros”.

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Rui Zink, que disse dar “aulas de literatura para miúdos ingratos”, destacou ainda o papel da poesia, que nos ajuda a ficar confortáveis quando não entendemos nada, falando do entendimento como um processo anti-literário que vai contra o mistério da vida. “Quando deixei de tentar entender as mulheres passei a ter mais sorte”, brincou, trazendo para cima da mesa dois importantes livros – “A Lentidão”, de Milan Kundera, recentemente reeditado pela Dom Quixote, e “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, de Roland Barthes -, e o papel dos sublinhados e das notas deixadas em livros como um rasto da memória individual e colectiva.

O festival Livros a Oeste conta com organização do Município da Lourinhã e a curadoria do programador cultural João Morales. O programa está disponível aqui.

 

Fotos: Rita Chantre

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Pedro Miguel Silva

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