Quantas ciências são necessárias para compreender uma cidade? Como se interligam, nesta construção colectiva da Humanidade, áreas tão diversas como a geografia, a economia, o urbanismo, a arquitectura, a sociologia, a cultura, a ecologia e a política? João Seixas, professor e investigador na Universidade Nova de Lisboa, consegue a proeza de cruzar todos esses ângulos de análise numa reflexão em torno da evolução contemporânea da capital portuguesa, no livro “Lisboa em Metamorfose” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021), integrado na colecção Ensaios da Fundação.
Com assentamentos urbanos comprovados desde há pelo menos três mil anos, Lisboa é a segunda capital mais antiga da Europa, logo a seguir a Atenas. Durante cinco séculos, foi o centro político de um império colonial, e hoje é “uma grande metrópole com cerca de três milhões de habitantes, uma rica diversidade social e um intenso dinamismo económico e cultural”. Nela se encontram reunidas as principais estruturas do poder político do país, bem como algumas instituições internacionais de relevo. Porém, as profundas disparidades económicas – que fazem dela a região mais desigual do continente – impedem-na de ser considerada verdadeiramente rica, ainda que detenha o maior nível de riqueza do país.
Uma vez que o passado ajuda a explicar as forças e as fragilidades do presente, o autor começa por fazer um breve resumo da história de Lisboa, mas depressa se centra na situação actual e nas perspectivas de futuro, seguindo uma abordagem “objectiva e descritiva sempre que necessário, mas sobretudo analítica e interpretativa”. É assim que disseca temas como as consequências da mais recente crise financeira global, as transformações dos centros históricos, as tendências demográficas, o urbanismo, a habitação e o turismo, mantendo sempre presente a ideia de que, além de um espaço físico, uma cidade é um conjunto de padrões de relacionamento e de mobilidade de pessoas, bens, capitais, informação e conhecimento.
A obra lê-se como uma guia para entender as mudanças por que Lisboa tem passado e os “poderosos factores disruptivos” que, provavelmente, se conjugarão nos próximos tempos, tais como a urgência climática, a digitalização da sociedade e da economia, ou as alterações nos mercados residenciais e laborais. Visto que a Humanidade, em geral, tende a tornar-se cada vez mais urbana, serão cidades como esta a determinar as respostas a diversas questões no âmbito da inovação, da ecologia, das políticas sociais ou da expressão da cidadania, por exemplo.
As referências literárias com que o autor pontua o texto, de Fernando Pessoa a Teolinda Gersão, adicionam-lhe um toque de poesia. No final da leitura, perguntamos a nós mesmos se Lisboa alguma vez conseguirá triunfar sobre as suas vulnerabilidades internas e afirmar-se como uma metrópole cosmopolita, competitiva e globalmente interligada. A única certeza é que, como escreveu Luís Vaz de Camões, “todo o mundo é composto de mudança”, pelo que Lisboa continuará decerto a metamorfosear-se.
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