Oficialmente, Portugal permaneceu neutro durante a Segunda Guerra Mundial. Na realidade, porém, aos olhos de governantes, diplomatas e espiões, nacionais e estrangeiros, o conceito de neutralidade era adaptável às circunstâncias e interesses de cada momento. O historiador escocês Neill Lochery reconstitui vividamente esses tempos conturbados em “Lisboa: A Guerra nas Sombras da Cidade da Luz, 1939-1945”, (Casa das Letras, 2021), uma obra que ressurge agora com nova tradução e prefácio actualizado do autor, dez anos após a primeira edição.
Como o título indica, o palco da narrativa – que se lê como um romance vibrante de intriga política e espionagem – é a capital portuguesa, caracterizada como uma cidade que “se esforçava por reverter o seu empobrecimento e estado de decadência” através de uma duplicidade que visava explorar, durante o máximo de tempo possível, os dois blocos inimigos: o Eixo composto pela Alemanha e seus apaniguados, de um lado, e os Aliados, que se lhes opunham.
Entre exigências e contra-exigências, havia que maximizar os ganhos e minimizar as retaliações. Economicamente, o mais relevante era o comércio de volfrâmio das minas portuguesas, “um ingrediente vital da máquina de guerra alemã”, mas a infraestrutura marítima, bem como a importância estratégica dos Açores e das colónias, também contribuíram para atrair as atenções mundiais para Portugal.
Simultaneamente, ocorreu uma crise de refugiados. Oriundos de toda a Europa, concentravam-se em Lisboa até poderem partir para as Américas. Uns viviam situações desesperadas, enquanto outros, ricos e famosos, encaravam a estadia como umas férias forçadas, mas todos tinham de aguardar que a burocracia seguisse o seu curso.
Um aspecto potencialmente polémico do livro, mais do que o apelo à investigação do destino do ouro roubado com que os nazis efectuaram pagamentos a Portugal, é a representação de Salazar. Os factos desagradáveis que faziam do Estado Novo uma ditadura – tais como as perseguições políticas, as prisões, a tortura e os homicídios de opositores – desvanecem-se perante a apreciação da personalidade política do ditador, que alegadamente “regeu-se pelo que julgava ser melhor para o seu país”, tendo-se tornado “célebre pela sua grande capacidade de trabalho”, mesmo quando a preservação da neutralidade portuguesa era um “esforço muito solitário que requeria todas as suas consideráveis competências políticas e diplomáticas”. Poderia argumentar-se que o foco do livro é o conflito internacional e não a política interna portuguesa, mas isso não impede o autor de incluir fait divers acerca da vida romântica de Salazar, ou a descrição deste, por parte de um alto responsável britânico, como “o mais belo de todos os ditadores europeus”.
Apesar desta crítica, não há dúvida de que foi conduzida uma investigação profunda, envolvendo a consulta de grandes volumes de material de arquivo. Graças a ela, o livro reúne informações preciosas sobre vários planos secretos: o dos espanhóis para invadir Portugal, o dos alemães para raptar o duque de Windsor e o dos Aliados para destruírem infraestruturas portuguesas em caso de ocupação pelas potências do Eixo. Para as histórias que ainda ficaram por contar, o autor insinua a publicação de uma sequela, e não temos dificuldade em acreditar que a sua leitura será igualmente estimulante.
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