Foi, muito provavelmente, uma das mais castiças adaptações a que a banda desenhada teve direito no grande ecrã. Realizado por Matthew Vaughn em 2010, “Kick-Ass” (G. Floy, 2019) punha em movimento aquilo que o papel havia impresso: estilo visual para dar e vender, uma violência a bombar litros de sangue e um certo lado profano pouco habitual neste meio.
A história resultou de uma parceria entre Mark Millar (argumentista e co-criador) e John Romita Jr. (desenhador e co-criador), e teve como resultado uma trama com bons diálogos, cenas de acção que não envergonhariam Tom Cruise, clichés à balda e muitos, mesmo muitos palavrões. Segundo Krzysztof Wosciechowski, que assina o prefácio desta edição de capa dura – que reúne os oito livros originalmente publicados em formato comic -, Mark Millar “transformou o adolescente médio de todos os dias em herói”. Para ele, Dave Lizewski é apenas um tipo com “um grotesco fato de mergulhador e uma máscara de tricot improvisada”, mais preocupado com as redes sociais do que com a luta contra o crime, e que finge ser alguém que não é durante a maior parte do tempo.
“Com tantos filmes e séries de televisão adaptadas da BD, imaginei que pelo menos um solitário excêntrico haveria de costurar o seu próprio fato”. Quem o diz é Dave Lizewski, que assume essa vontade de se dedicar à costura depois de uma vida meramente dedicada à existência em piloto automático: “Gostava de Scrubbs, Stereophonics, das Goo Goo Dolls e das séries Entourage, Snow Patrol, Heroes e dos filmes do Ryan Reynolds”. Alguém cuja mãe morreu quando tinha 14 anos e que desenvolveu um amor pela BD e, em particular, pelos X-Men de Josh Whedon. A solidão e o desespero fizeram o resto, bem como o fato de ski comprado na Amazon, seguindo-se uma primeira missão que acabou com “duas pernas partidas, a coluna esmagada e vestido como um pervertido de merda”.
Nada que demova o nosso herói, que acaba por colocar um vídeo que se torna viral e que se vê virtualmente levado em ombros por gente como Jay Leno e David Letterman. Até na vida real Lizewski parece ganhar confiança, nem que para sair com a babe dos seus sonhos tenha de assumir o lado gay que não tem.
As coisas aquecem realmente com a entrada em cena de uma miúda de dez anos com um jeito tremendo para facas. “Uma mistura entre o Rambo e a Anita. Uma mistura de Dakota Fanning com o Death Wish 4”. Trata-se de Hit Girl, que tem como parceiro um tipo com o tamanho e o ar de armário chamado Big Daddy, e que se dedicam a combater o império de Johnny G, um mafioso italiano que faz muitas vezes as manchetes dos jornais.
A milhas das habituais histórias de super-heróis, Millar e Romita Jr. apresentam a origem improvável e o caminho trilhado por um super-herói sem poderes, com pouco olho para a moda, inseguro no que toca a relações pessoais e que tem a solidão como habitat natural. Tudo isto enquanto tenta não chegar atrasado às aulas ou desapontar o pai. Não aconselhável apenas para aqueles que desmaiam quando vêem sangue.
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