“Limites da Ciência” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021), cuja primeira edição data de meados da década passada, surge agora revisto e actualizado com várias notas e um posfácio do autor acerca do papel da ciência no combate ao flagelo da COVID-19. Foi, aliás, o progresso da ciência que propiciou o ponto de viragem da pandemia da SARS-CoV-2 — cientistas espalhados pelos quatro cantos do planeta juntaram esforços para estudar a COVID-19, descobriram novas variantes e desenvolveram vacinas para nos proteger da doença.
Hoje celebramos uma das mais importantes vitórias científicas na história da Humanidade. Mas nem sempre os cientistas tiveram um lugar de destaque no seio da sociedade. Ao longo dos séculos, o receio generalizado quanto ao progresso da ciência levou a que, por exemplo, Galileo fosse perseguido pela Inquisição, Darwin insultado publicamente e que Nikola Tesla morresse na miséria. Para além da História, também a literatura nos oferece pistas quanto aos hipotéticos malefícios da curiosidade humana e, consequentemente, dos perigos da ciência — leia-se a Bíblia, o famoso conto do Barba Azul, “Fausto” de Marlowe ou de Goethe, “Frankenstein” de Shelley, “A Ilha do Doutor Moreau” de Wells e o “Admirável Mundo Novo” de Huxley.
Para Jorge Calado, Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico, “a ciência não é boa nem má. (…) tudo depende do que se faz com ela”. Em geral, o desenvolvimento científico e técnico trouxe-nos prosperidade e qualidade de vida e, ao que parece, “continuaremos a ser surpreendidos por grandes descobertas”. Por outro lado, a ciência é também capaz de ameaçar a sobrevivência da espécie humana — basta recuar umas décadas para perceber que “escapámos, por uma unha negra, à tragédia de um Holocausto nuclear durante a Guerra Fria”. Hoje, para além do aquecimento global e da devastação ambiental em curso, o progresso científico traz-nos novas “perspectivas trágicas e inimagináveis” que podem resultar na nossa extinção, como é o caso da superinteligência artificial, o perigo do bioterrorismo e os avanços descontrolados no campo da biologia sintética.
Além de enfatizar os riscos do desenvolvimento e especialização da ciência, o autor de “Limites a Ciência” guia-nos pelos bastidores de laboratórios e centros de investigação e descreve os maiores avanços técnicos dos últimos tempos. Fiel ao título da obra, Jorge Calado revela ainda os limites da ciência, enumerando os factores que realmente atrapalham o progresso científico, entre os quais a fraude, a desinformação, conflitos de interesse e a “incompetência política”.
Não sendo um livro sobre ciência direccionado apenas a entendidos ou a nabos (categoria na qual o autor destas mesmas palavras se inclui), “Limites da Ciência” sintetiza matérias tão vastas e complexas como a nanotecnologia, cibernética e as regras morais que regem (ou que deviam reger) as acções de cientistas e investigadores. Após a leitura desta obra, o comum dos leitores poderá não ficar a saber exactamente o que é ou para que serve o Bosão de Higgs, mas ficará seguramente esclarecido quanto às implicações éticas, sociais, políticas e económicas do progresso da ciência.
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