Longe vão os tempos em que, quando o Carnaval batia à porta, os jardins de infância e as escolas primárias se enchiam de índios e – sobretudo – cowboys, recriando o velho Oeste a milhares de milhas marítimas de distância.
A verdade é que, nesta era moderna onde os disfarces maiores são os de princesas, super-heróis, estrelas de televisão e vedetas musicais, tem também sido aos poucos reposta a verdade sobre a nossa percepção do Oeste Americano onde, só para facilitar – como diriam os Gato Fedorento -, os índios eram os maus da fita e os cowboys os bonzões. Uma imagem que foi alimentada, durante décadas, pela literatura e sobretudo pelo cinema, que tratou de fazer de criar uma visão unilateral de uma região que esteve dividida por décadas de guerra.
Como escreve Douglas Miles – que vive e trabalha na San Carlos Apache Nation – no prefácio, as histórias dos apaches têm sido transmitidas pela cultura popular americana como “apenas estereótipos, tragédia, comiseração, selvajaria ou exploração“. Em “Indeh” (G. Floy, 2019) , o ponto de vista pertence aos apaches, numa história contada a duas vozes: pelos olhos de Naiches, filho do chefe Apache Cochise, e de Gerónimo, o herói maior da nação Apache.
Com texto do – mais conhecido como – actor Ethan Hawke e ilustrações de Greg Ruth, “Indeh” captura a narrativa de nações em guerra. Da morte da família de Gerónimo à captura de Cochise, “Indeh” não deixa nada de fora, oferecendo um relato honesto da história desesperada e sangrenta vivida pelos Apaches, que aqui vai de 1860 até à rendição de Gerónimo, corria o ano de 1886.
Honesto porque, apesar de acertar contas com a história e de nos mostrar todo o orgulho e o espírito nobre de um povo cuja cultura está assente em crenças, ritos e um instinto de sobrevivência, fica no ar a ideia de que, independentemente do lado do qual a história nos é contada, esta não deixa de ser uma história feita de ódio, sangue e vingança. Ou, como diz Ethan Hawke no final em jeito de apelo, “as nossas histórias e destinos estão entrelaçados, independentemente de onde os nossos antepassados nasceram e de como interagiram uns com os outros“.
As ilustrações a preto e branco de Greg Ruth são fenomenais, aqui impressas numa bem desenhada edição de grande formato e capa dura, perpetuando o imaginário do Oeste com que crescemos e sonhámos. Os desenhos viajam entre o grande plano e os pequenos detalhes, transmitindo a ganância, o desespero, a violência, a esperança e a amizade mas, também, o ocaso de um lugar onde a natureza foi tomada de assalto pela ideia de progresso humano.
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