É certo e sabido que o Brasil, nosso país irmão de há séculos, vive por estes dias num estado de circo, que já pegou fogo há uma boa temporada. Se Bolsonaro já mostrou a sua aversão por mulheres, homossexuais, negros ou esquerdistas, defendendo a tortura e o fuzilamento, também a ministra brasileira da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, declarou há tempos que no casamento a mulher deve submeter-se ao homem, que basicamente é quem deve mandar na coisa. Mais recentemente, um outro caso de insanidade temporária parece ter tomado conta de Dante Mantovani, o novo presidente da Fundação Nacional de Artes, que disse que “o rock activa a droga, activa o sexo, activa a indústria do aborto”. Segundo o maestro, agentes soviéticos inseriam “elementos” nas músicas para fazer “engenharia social” com crianças e adolescentes. Para este último, uma boa prenda de natal seria certamente a “História Ilustrada do Rock” (Orfeu Negro, 2019), da autoria de Susana Monteagudo (textos) e Luis Demano (ilustrações), que até vem com bonecos para ajudar a mudar mentalidades ou, então, levar ao rubro aquelas que têm crescido com esta revolução permanente feita de riffs de guitarra, sintetizadores pulsantes, baixos gingões e vozes capazes de pedir fiado – ou testar a qualidade de muito bom vidro.
Não se trata, de todo, de uma enciclopédia, mas de uma curta história, servida num livro de grande formato, de um género que não nasceu de um dia para o outro, e que tem alimentado correntes e contra-correntes, sempre em busca do inesperado. Tudo começa a partir dos anos 1950, onde uma combinação de sons como o blues, o jazz, o counttry ou o rythm & blues acabou por dar corpo ao que então se decidiu chamar de rock. Um ritmo que nem sempre foi bem recebido, sendo até chamado de música do demónio – reler primeiro parágrafo para actualização temporal demoníaca.
Nesta viagem, encontramos no seu começo gente tão ilustre como Little Richards – e o seu grito de guerra “A-Wop-Bop-A-Loo-Mop-A-Lop-Bam-Boom!” -, Little Richards – “o pianista selvagem e arruaceiro” – ou Elvis Presley – “o belo rapaz que sabia dar às ancas“. Avançando na linha temporal, acompanhamos a apropriação do rock por parte dos britânicos – com os Beatles à cabeça -, vemos o rock expandir-se para outras sonoridades como o glam rock, a música electrónica, o punk, o post-punk, a new wave ou a pop, sem esquecer a britpop e o mais recente indie rock.
Uma revolução ilustrada que, para além da viagem temporal, apresenta também os diferentes estilos que o rock criou, canções que ficaram para a história – como “Love Will Tear Us Apart”, dos Joy Division -, discos que toda a gente deve ouvir pelo menos uma vez na vida – como “Horses”, de Patti Smith-, o que se entende como uma banda, o papel que as mulheres tiveram no rock, alguns festivais mais marcantes – como Woodstock, Glastonbury ou Lollapalooza -, os avanços promovidos pela técnica – gravação em stereo, sistema multi-pistas ou a distorção -, os vários suportes de gravação e escuta – vinil, cassete, MP3 ou streaming -, os meios de comunicação que lhe deram mais crédito – como a MTV ou o Top Of The Pops -, as editoras que dominaram isto tudo – entre elas a Rough Trade, a Parlophone ou a Atlantic Records – e os cadáveres bonitos que ficaram para a história – tantos.
Há mesmo uma espécie de falso poster guardado para o final, com ar de Jogo da Glória, onde se listam estilos, bandas e movimentos que escreveram as páginas mais douradas do rock. Um livro que é uma muito bem desenhada walk on the wild side.
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Susana Monteagudo é designer gráfica, escreve para a imprensa e tem mais dois livros publicados. Em 2013 fundou o projecto cultural Crios&Roll e organiza concertos e actividades para os mais pequenos. Vive em Valência.
Luis Demano estudou Belas Artes em Valência, mas abandonou o curso e tornou-se ilustrador por conta própria. Autodidacta, ilustra livros, ensina, trabalha com a imprensa, faz cartazes e capas de álbuns de música.
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