José Valentim Fialho de Almeida, ao qual se atreve a atribuição do cognome o retratista, nasce a 7 de maio de 1857 em Vila de Frades, concelho da Vidigueira, distrito de Beja. Jovem e sozinho vai para Lisboa estudar. Cedo começa a trabalhar como praticante de farmácia num estabelecimento lisboeta e forma-se em medicina, actividade que exerce apenas por curtos períodos para se dedicar à imprensa e às letras. Com 20 anos já colabora em vários periódicos, publica novelas, escreve contos e crónicas e envolve-se em polémicas sobre literatura. Em 1881 estreia-se nos livros com a publicação de “Contos” e, entre outros, em 1889, “Os Gatos (Publicação Mensal de Inquérito à Vida Portuguesa)”, compilação de retratos culturais sobre a vida portuguesa que ainda hoje o referenciam entre os melhores à época e na actualidade.
Contemporâneo de Antero de Quental, Camilo Castelo Branco e Eça de Queiroz, amigo de Raul Brandão, Guerra Junqueiro e Manuel Teixeira Gomes, recebe as influências de uma época literária de ouro, repleta de questões e disputas entre o realismo exacerbado e o romantismo protegido – em muitos aspetos, apogeu da vida cultural portuguesa -, na qual Fialho de Almeida não pretendeu a abstenção, sendo-lhe atribuídas posições pouco ortodoxas. Morre em Cuba, aos 53 anos de idade, deixando por publicar trabalhos que revelados postumamente continuaram a granjear-lhe respeito e reconhecimento.
Começar por biografar Fialho de Almeida é a forma que apraz elogiá-lo e reconhecer o efeito que a sua obra continua a exercer entre quem o recorda e entre quem só agora o descobre. A escolha de textos que fazem parte de “História de dois Patifes e Outras Prosas” (Guerra & Paz, 2020) revela o lado mais prosaico e obscuro de Fialho de Almeida, textos metafóricos e relatos não ficcionais, numa selecção equilibrada, habilmente encerrada por um texto de cariz autobiográfico que permite descobrir um pouco mais da vida e da personalidade do autor.
Capaz de transformar cenas fúnebres em belas imagens, Fialho de Almeida é aquele que transforma o acessório em protagonista pelo detalhe dos seus relatos e das suas descrições, pela minúcia e pela relevância que coloca em cenas de vida e de morte, quer fale sobre natureza ou animais, elementos sempre muito presentes nas suas narrativas.
Metaforicamente consegue tratar assuntos sérios, desenvolvendo um ideário critico e mordaz relativamente a convenções que censurou, denunciou e contrariou. A título de exemplo, nos textos agora reunidos passeia-se entre as tropelias de dois focinhos cor-de-rosa, barbichas alvoraçadas e orelhas de veludo de dois pequenos felinos, que vilipendiaram os preparativos da jovem Fernanda para o aniversário do irmão; o valor da amizade entre Ricardo e Manel, num contexto de violência fatídica; a expressão da morte de uma jovem e da morte da esperança de uma mãe que, complacente com o tempo, espera numa estação de comboios o regresso do filho que não voltará; a representação satírica da vida através da pequenez de um anão; a figuração e a alucinação de um viajante em confronto com os seus medos; e, não menos pujante, os relatos de duas travessias, uma nas águas do Tejo e outra nas terras do Alentejo, ambas representadas na sua beleza física e na sua simbologia. Em todos os textos pressente-se uma escrita de experiência vivida e, por isso, tão rica e desafiante.
Em 2007, por altura das comemorações dos 150 anos do seu nascimento, no jornal Público escreveu-se sobre Fialho de Almeida, salientando-se que este continua a merecer ser lido “pela novidade da sua escrita, pela sua visão de poeta-paisagista maravilhado com a beleza física da palavra, mas também pela tinta delirante do Fialho nocturno, agitado pelos fantasmas que nele habitam. Uma escrita que ele próprio define como uma alucinação doida e disforme, fragmentária, como as visões interiores que ela convoca”. Volvidos treze anos, as edições Guerra e Paz apresentam nesta compilação de textos opções editoriais muito equilibradas, especialmente convidativas a quem descobre agora este autor fundamental.
2 Commentários
É sempre bom, sempre importante, recordar Fialho de Almeida e divulgar a sua obra. Porém, este texto contém alguns erros que devem ser apontados:
O concelho da Vidigueira fica no distrito de Beja, e não do de Évora.
1989 não foi, obviamente, o ano da primeira edição d’«Os Gatos».
Fialho saiu do Alentejo depois dos 36 anos…
… E faleceu, não com 57, mas sim com 53 (e a dois meses de completar 54).
Muito obrigado, Octávio. É bom termos leitores atentos e conhecedores. Texto alterado.