Quando terminou “O Fim da Solidão” (Asa, 2019 – ler crítica), romance que lhe custou sete anos de vida – e lhe valeu o Prémio de Literatura da União Europeia -, Benedict Wells disse isto: “Este foi o livro que tive de escrever. Os próximos são os livros que eu quero escrever”.
Escrito como uma catarse, “O Fim da Solidão” – quarto romance de Wells, o primeiro a ser publicado em Portugal – mostrava uma voz única, numa história de amor onde conduzia o leitor por uma estrada trágica, sem nunca procurar torcer-lhe os olhos em busca da lágrima fácil. Um livro onde estavam dispersas todas as nossas vidas – a que nos calhou em sorte e todas aquelas que ficaram por viver -, num tributo à fragilidade humana e às partidas da memória, que relembrava a importância de amar incondicionalmente, desperdiçar incondicionalmente, fracassar incondicionalmente. A fasquia era alta, mas a verdade é que Benedict Wells conseguiu fazer ainda melhor em “Hard Land – Duros Anos” (Asa, 2023), um dos grandes romances publicados em Portugal em 2023.
“Este Verão, apaixonei-me e a minha mãe morreu”. Começa assim a história de Sam, um adolescente de 15 anos a quem todos tratam como uma criança, e que para fugir aos problemas arranja um trabalho de férias num cinema para lá do decadente, onde irá conhecer um grupo de amigos que o levarão à descoberta da cidade, do amor e de si próprio.
Hard Land é o nome do livro que atravessa todo este romance, que revela ter uma certa aura da Odisseia de Ulisses, e que Sam irá discutir na disciplina de Literatura no ano seguinte com o professor Parker, conhecido como Inspector por ter um olho de vidro, andar vestido de forma desleixada e ter um olho de vidro – um pouco ao estilo do Inspector Columbo. “A tradição estabelecia que a turma do décimo primeiro ano fizesse, na disciplina dele, a sua redacção anual sobre o mais famoso livro de poemas da cidade. Mas o Inspector era um dos professores mais severos da escola e nunca dera nota máxima a ninguém. Ou melhor, dera dois anos antes, mas ninguém sabia quem a recebera”. Mora aqui o enigma do livro, um jogo que Wells irá manter com o leitor até final, brindando-o com um desenlace que se lê como fogo-de-artifício.
Ao longo desta história sobre a perda, a inevitabilidade da dor, as várias peles que vamos deixando pelo caminho antes de vestirmos outras novas, a falta de comunicação entre famílias, a desigualdade nas relações afectivas e a descoberta do amor, Benedict Wells brinda o leitor com referências cinéfilas diversas, seja a referência à Nouvelle Vague, apontar George Lucas como o maior ou mencionar clássicos como “Há Lodo no Cais”, “Regresso ao Futuro”, Dolce Vita” ou “Os Quatrocentos Golpes”.
Há ainda, nesta cidade que guarda 49 segredos – a mensagem de Hard Land é um deles -, um apanágio das frases de abertura de livros – como “Uma Temporada no Inferno”, “A Campânula de Vidro” ou “Peter Pan” -, bem como uma explicação do que significa a expressão “coming of age”, um processo pelo qual irá passar o protagonista desta história: “– Bom, se olharmos para a história da literatura, veremos que o herói clássico se encontra, frequentemente, num processo de jornada interior ou exterior. Uma jornada desencadeada por uma vivência decisiva, como uma perda ou uma desilusão amorosa, mas também por um primeiro confronto com as grandes questões da humanidade. Tudo isso obriga o herói a modificar-se, a amadurecer e a superar a vida que levou até ao momento, ou seja, a coming of age”. Se “The Breakfast Club” tivesse sido um livro, muito provavelmente teria dado qualquer coisa como isto. Cinco estrelas.
Sem Comentários