Roger Scruton começa por participar que este é um livro que resulta da sua experiência de ensino da Filosofia nas universidades de Cambridge, Londres e Boston e, simultaneamente, manifesta a esperança de atrair a atenção de todos os leitores, e não só dos estudantes ou dos amantes de filosofia. Não se trata de nenhum guia fidedigno para explorar ou dominar as ideias dos grandes filósofos, apenas são aludidas as teorias de filósofos enquanto suporte conceptual e argumentativo dos temas abordados no livro.
Ao longo de doze capítulos, numa linguagem acessível, o leitor mergulha em questões que merecem a nossa atenção, as quais se vão cruzando com ideias filosóficas, de Platão a Wittgenstein, possibilitando a ampliação do conhecimento sobre temas controversos mas pertinentes e, deste modo, alicerçando as nossas reflexões e questionamentos. Os temas são variados: demónio, sexo, música e Deus, do tempo ao conceito de pessoa e da liberdade à história.
O primeiro capítulo – intitulado Porquê? – clarifica o conceito de filosofia, abraçando diferentes filósofos, mostrando que a natureza do ser humano se caracteriza pela necessidade de explicar, de questionar, e que é por isso que não resistimos a um «Porquê?» quando confrontados com algo invulgar ou quando o nosso espírito, curioso e acutilante, deseja desocultar as aparências e descobrir a verdadeira realidade. Com o «Porquê?» procuramos uma razão, um sentido, uma explanação, num exercício de “ecologia conceptual”. Afinal, a filosofia alimenta-se de um questionamento permanente e incómodo – “Como é que sabes? e O que queres dizer?” e de outras tarefas construtivas.
“As questões «Porquê» surgem no contexto da discussão racional; a discussão racional requer a linguagem; a linguagem está organizada pelo conceito de verdade; a verdade é uma relação entre o pensamento e a realidade e a realidade é objectiva; nem é criada pelos nossos conceitos nem necessariamente bem descrita por eles.“
Como saberemos que as nossas convicções são verdadeiras? Existe verdade ou verdades? Afinal, o que é a verdade? Recordamos a posição de Nietzsche: “Não há verdades, só interpretações”. “Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes” (Guerra & Paz, 2023) convida-nos a embarcar nesta aventura subtil, bela, contraditória e inquieta, que é a tentativa de compreender a natureza humana.
Há algo insondável sobre o tempo. A estranheza do conceito reside no facto de haver seres no tempo, conscientes da sua passagem, e que são compelidos a pensar sobre o tempo. Neste guia lê-se que “o tempo ordena o mundo como passado, presente ou futuro, mas cada um deles é, à sua própria maneira irreal”. Será o tempo irreal? Será o “agora” tão efémero que não o conseguimos viver? Para reflectir sobre o tempo, é necessário fazê-lo na companhia do pensamento de Santo Agostinho e compreender a grande questão agostiniana: «O que é então o tempo?». O filósofo da patrística respondeu, afirmando: “Se ninguém me perguntar, eu sei, mas se desejar explicá-lo a alguém que mo pergunte, não o sei”. Porque será o tempo tão misterioso? Que significará afirmar que Deus é eterno? Estará fora ou dentro do tempo? Na perspectiva do argumento ontológico, significa que Deus existe em toda a parte e em todo o momento.
Roger Scruton reforça a actividade filosófica como necessária para alcançar a essência da natureza humana e, neste trabalho hermenêutico, a religião desempenha um papel essencial para compreender a união dos povos, por todo o mundo, quer através dos rituais quer pela crença. Actualmente, a crença religiosa (que é distinta da prática religiosa) continua viva? Ou estará enfraquecida? A este propósito, podemos ler:
“Pode ser que a crença religiosa seja em breve uma coisa do passado; é, contudo, mais provável que crenças com a função, a estrutura e o ânimo da religião fluam para o vazio deixado por Deus. Em qualquer caso, precisamos de compreender o porquê e a razão do motivo da religião. É de ideias religiosas que o mundo humano, e o sujeito que nele habita, são feitos. E é o resíduo espiritual do sentimento religioso que provoca os nossos problemas filosóficos mais intratáveis.”
Em boa hora, a editora Guerra & Paz reeditou este “Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes”, para que todos os leitores o possam ler e tomar consciência de que a filosofia é determinante para interpretar os mistérios do mundo e compreender a nossa vida na contemporaneidade, convidados a (re)pensar questões como estas: o que é ser humano? O que é ser pessoa? Todos somos pessoas? O que é ser consciente? O que é a vida? As pessoas estão ligadas por leis morais? O que é a liberdade?
Roger Scruton (27 de Fevereiro de 1944 – 12 de Janeiro de 2020) foi um dos mais importantes filósofos britânicos, doutorado em Filosofia pela Universidade de Cambridge. Leccionou na Universidade de Buckingham, onde dirigiu o mestrado em Filosofia, e na Universidade de Oxford. Foi membro do Centro de Ética e Políticas Públicas de Washington, nos Estados Unidos. Em 2016, Isabel II condecorou-o com o título de Knight Bachelor pelos serviços prestados à filosofia, à docência e ao ensino público. Tem mais de 50 livros publicados, entre ensaio, ficção e teatro, incluindo as obras “O Ocidente e o Resto”, “Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes”, “Beleza e Breve História da Filosofia Moderna”, editados em Portugal pela Guerra e Paz. Fundou a revista de orientação conservadora The Salisbury Review, que editou de 1982 a 2001, e escreveu artigos na imprensa britânica com regularidade.
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