Há por estes dias um cheirinho a apocalipse no ar: com o alaranjado Donald Trump ao volante dos destinos da América, destilando a sua receita de ódio, ignorância e estupidez, dificilmente seria mais oportuno este primeiro romance do egípcio Omar El-Akkad, “Guerra Americana” (Saída de Emergência, 2018). O autor avança algumas décadas em direcção a um futuro ensombrado por uma segunda guerra civil americana, causa de uma catástrofe humanitária de grandes proporções.
É um futuro distópico que, de algum modo, nasce da polarização da era Trump. No entanto, na visão de El-Akkad, o catalisador da guerra não parte das divisões raciais ou sociais, mas de um motivo bem diferente: as alterações climáticas. À medida que o planeta vai sofrendo os efeitos do aquecimento global, a maior parte dos países abandona os combustíveis fósseis, mas o Sul dos Estados Unidos continua teimosamente a queimar petróleo para obter energia, ao contrário do Norte, mais abastado e progressista.
“Guerra Americana” segue uma família do Luisiana, que encontramos em 2074 – Sarat Chestnut tem 6 anos e vive com os pais e os irmãos num velho contentor metálico à beira-rio. Ali chegam todos os dias alimentos e ajuda humanitária, vinda das novas superpotências a Oriente. Os Chestnut vivem o melhor possível debaixo de um clima de guerra: El-Akkad apresenta-nos – de forma algo fastidiosa – as circunstâncias políticas que levaram ao eclodir do conflito, incluindo o assassinato do Presidente por um bombista suicida sulista, o que precipitará uma resposta letal por parte do Norte, com o lançamento de um agente biológico mortal sobre as populações do Sul.
A história ganha mais interesse quando o actor se debruça sobre os destinos de Sarat e da sua família. O agravar da guerra obriga-os a deixar a sua casa para se deslocarem para um campo de refugiados chamado Camp Patience, onde enfrentarão um destino cada vez mais cruel. Ao final de doze anos, chega uma noite tingida de morte e destruição em que as milícias do Norte se abatem sobre os desterrados sulistas como uma tempestade sangrenta.
Sarat, orientada por um recrutador erudito mas duvidoso chamado Gaines, percorre o caminho do terrorismo nas suas várias etapas. Gaines torna-se o seu professor, falando-lhe de livros e de como o mundo era antes da mudança climática. Serve-se do idealismo, da raiva e do sentido de injustiça de Sarat para a tornar “uma pessoa especial – alguém que, dada a oportunidade e as ferramentas certas, se poderá erguer e enfrentar o inimigo em nome daqueles que não o podem fazer”.
A intenção de Gaines torna-se clara desde cedo: consegue radicalizar a jovem sonhadora e transformá-la numa temível arma viva. Sarat não é uma personagem agradável. Ao longo do livro é muitas vezes difícil, conflituosa e amoral – o seu lado mais humano só sobressai quando se aproxima de Benjamin, o neto, depois de mil e um tormentos passados. Terá sido intenção do autor mostrar-nos com o árduo percurso de Sarat as trágicas circunstâncias que levam à fabricação de um terrorista. El-Akkad aplica a receita que a América tem usado muitas vezes no Médio Oriente – virando o feitiço contra o feiticeiro -, trazendo a guerra e a destruição para o seio da superpotência, numa reviravolta kármica.
O livro é uma meditação implacável sobre o egoísmo e a estupidez da guerra, fábrica de vítimas, expatriados e deslocados. Reflecte também sobre o ódio irracional de muitos contra as massas de refugiados descalços, famintos e desesperados que batem à porta dos países ocidentais. “Tomemos cuidado”, parece dizer o autor, “as marés da intolerância estão a virar-se para ocidente, e muito em breve os refugiados podemos ser nós”.
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