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Granta em Língua Portuguesa 5, Traição, Tinta da China, Deus Me Livro, Crítica
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Granta em Língua Portuguesa 5: Traição

Por Pedro Miguel Silva · Em 23/11/2020

“…diferentes traições, em diferentes domínios, com diferentes motivos”. Palavras de Pedro Mexia no lançamento do número 5 da Granta em Língua Portuguesa, dedicada ao sempre tentador universo da “Traição” (Tinta da China, 2020). Quanto a Gustavo Pacheco, o director da publicação do outro lado do Atlântico, aproveita para elogiar a traição maior feita a Franz Kafka, sem a qual o mundo da literatura teria ficado bem mais pobre.

Com ensaios fotográficos de José Pedro Cortes e Larissa Zaidan, este quinto número reserva algumas pérolas, como o conto de John le Carré sobre os mecanismos psicológicos que dão corda à traição ou a aventura de Diana Athill, que aguentou 12 livros – talvez seja melhor chamar-lhe rounds – como editora de um escritor tão temperamental como V.S. Naipul.

“A fidelidade é uma exigência tediosa demais”, suspira-se em “Vire-se você”, conto de Noemi Jaffe que revela o Haiti que há em cada um e onde se aprende a língua do desastre com Primo Levi e Hertha Müller, as muitas e várias perdas – sejam elas guarda-chuvas ou maridos -, a trair com a verdade ou como a vida é uma farsa que, de vez em quando, acaba por deixar cair a máscara.

“A caminho da ressurreição” revela que o caminho para Deus apenas surge com a perda, tal como aconteceu com Judas. Pela mão de Paulo José Miranda, surgem as visões bíblicas de Marco. “Marco buscava Judas dentro de si e a sua mulher buscava Jesus no marido”. Afinal, traímo-nos de cada vez que julgamos estar no caminho certo.

Traição dupla, clichés e terapia conjugal estão no centro de “Votos”, escrito por David Means, onde um boato nascido na igreja salta de casa em casa, deixando uma interrogação pertinente: “Haverá coisa mais perigosa do que um ambiente de boa vontade generalizada?”.

O nosso corpo é o que fazemos dele, diz-nos José Pedro Gomes em “Jeito de corpo: não há traição”, onde a traição física parece chegar através de contracções como na moda ou no ballet.

“E a amizade é aceitação, pensava eu, burramente”, lamenta o protagonista de um dos lados de uma relação habitada por parasitismos recíprocos, deixando-se levar pela vaidade antes de ser atingido de caras por uma verdade dos tempos modernos: “Traição, para ser boa, tem que estar onde não se imagina. Por isso, se imaginar que está em todo o lugar, deixa de ser traição e passa a ser só natureza humana”. Posto isto, muito cuidadinho com as relações laborais.

“Anatomia de uma Traição” – de Adam Foulds – centra-se no filme homónimo de David Hugh Jones a partir da peça “Traição”, de Harold Pinter, numa lição de vida que está ao nível de um bilhete suicida: “Amamo-nos e magoamo-nos a nós mesmos e aos outros o tempo todo”.

Granta em Língua Portuguesa 5, Traição, Tinta da China, Deus Me Livro, Crítica“Praga de Preto”, de Carlos Eduardo Pereira, traz-nos traição, relações raciais e violência doméstica; “Antes ele do que eu”, de Edyr Augusto, é um jogo de corrupção, manobras de bastidores, morte abafada e uma traição com T grande; “Falstaff”, de Kalaf Epalanga, desenha um triângulo amoroso e histórico entre Portugal, Brasil e Angola, com muitos jogos de (des)informação à mistura.

A sede da revista Stern, lugar onde “os contos de fadas se tornam realidade”, serve para dar “Um aperto de mão no Zeitgeist” e a Gorbatchev – conto de Wolf Biermann -, colocando o nazismo e o comunismo na máquina de raios-X, atacando as ambiguidades históricas numa crítica aberta ao comunismo e às suas muitas traições.

Em “Da glória, da infâmia e da perdição (ou de Brutis a Philby)“, Paulo Portas mostra todo o seu jogo de cintura literário e o poder de argumentação a que já nos habitou como jornalista e político, falando sobre o “odor sinistro da traição” que une, com as devidas distinções, “Judas, Brutus e Ciano, os Rosenberg e Mata Hari, Kim Philby e Aldrich Ames, Quisling e Wang, George Plantagenet e Efialtes, Assange e Snowden. Fala ainda das traições com e sem causa, distinguindo nestas as melhores e piores a partir das histórias de Oleg Gordievsky e Richard Sorge.

“A paz insuportável” traz-nos um John le Carré com sotaque brasileiro, num conto soberbo sobre Jeanmaire, em tempos general das tropas de defesa aérea, caído em desgraça por ter sido enganado vezes sem conta sem, ainda assim, ter deixado de confiar. Uma tragicomédia de costumes militares e sociais da Suíça, através de um exemplo inacreditável de ingenuidade que se lê como uma fábula moral sobre um inocente – e espião acidental – às voltas com espiões profissionais.

A traição do Brexit e o triunfo dos populismos são radiografados por Helder Macedo em “Europa isolada pelo nevoeiro”, enquanto Regina Guimarães recorda, em “Notas sobre a tradição de traição na tradução”, a sua experiência como tradutora de poesia e teatro. Pelo meio há “Editar Naipaul”, onde Diana Athill recorda uma diva chamada Naipaul, num conto que serve para ilustrar na perfeição as diferenças abissais que muitas vezes existem entre as páginas impressas e aqueles que as escrevem.

 

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Pedro Miguel Silva

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