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Granta em Língua Portuguesa 4, Cinema, Tinta da China, Deus Me Livro, Crítica
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Granta em Língua Portuguesa 4: Cinema

Por Pedro Miguel Silva · Em 15/06/2020

E eis que, ao quarto volume, a Granta em Língua Portuguesa troca o papel pela película e presta uma bela homenagem à sétima arte, numa viagem a alta velocidade onde há, entre outras coisas, seios que não convencem, zombies – ou zumbis – apaixonados e um fato que permanece imaculado por muito mal que lhe queiram fazer.

Como Pedro Mexia escreve numa das apresentações – a outra cabe a Gustavo Pacheco -, com o “Cinema” (Tinta da China, 2019) operou-se a transição de “uma civilização do verbo para uma civilização da imagem”, com o bónus de a sua linguagem ter criado uma gramática visual, uma imagética sentimental onde, de bom grado, o espectador aceitou, ao entrar no escuro de uma sala, abraçar “uma suspensão voluntária da descrença”.

Mesmo lá à frente é um conto curto e escrito a alta velocidade, onde Colson Whitehead, através de grandes planos, zooms e planos picados, nos recorda todos os hábitos e rituais das salas de cinema, como os hambúrgueres e os refrigerantes ou as saídas furtivas para uma visita rápida ao WC.

À boleia do imaginário dos irmãos Grimm, Veronica Stigger oferece-nos o mais enigmático dos contos – O Filme -, onde há crianças que viajam em motorsde baixa cilindrada, um bebé chorão, aves e toda uma “milícia celestial”.

A partir de “Charulata”, filme de Satyajit Ray que, numa sinopse esmifrada – e em jeito de slogan para uma campanha de vendas – seria qualquer coisa como “o triângulo amoroso, o adultério evitado a tempo mas descoberto tardiamente”, Clara Rowland mostra-nos O mundo dentro de casa, um ensaio brilhante sobre um cinema que ensina a ver o mundo e “um dos mais belos filmes sobre a escrita e sobre a aprendizagem”.

“Abre os olhos e vê”. É esta a mensagem que preside ao conto A bélica, delinquente e sagrada sala de cinema, assinado por Manuel S. Fonseca, onde o autor recorda a sua experiência iniciática em salas de cinema pouco convencionais, onde muitas vezes um lençol servia como material de projecção do mistério e do sombrio ritual, que todos se viam “sentados em cima do mesmo medo, do mesmo desejo, da mesma alegria”.

Letícia Simões regressa à casa de infância servindo-se de uma residência literária, numa difícil coabitação com outras cinco mulheres, todas escritoras, tentando não levar a peito o insulto de que a sua escrita mais parece “uma sessão de terapia” – e, mais do que isso, perceber o mistério do estranho aparecimento de 50 vacas que teve lugar na ilha quando era criança.

Jeremy Sheldon conta-nos tudo sobre A arte invisível do cinema, dando voz aos guionistas e à “poesia oculta” que os move, seja em Arma Mortífera ou em Alien, o Oitavo Passageiro.

Maria do Mar, de João Rosas, surge sob a forma de um guião que poderia servir a uma revisitação ao Verão Azul da nossa infância, e que oferece uma boa máxima para quem anda nessa vida do engate: “Na hora de conquistares uma mulher, cabecinha fresca e parlapié, coração quente e piço em pé!”.

Todd McEwen passa a ferro O fato de Cary Grant, um conto apaixonante e de um humor muito particular sobre a farsa do cinema dos anos 50, onde para ele não parece ser certo quem terá sofrido mais: “se o argumentista, se os actores, se os espectadores”. Fatos destes precisam-se.

Claudia Cardinale é uma revolucionária mexicana, de Duncan Bush, transporta-nos ao western “Os Profissionais”, escrito, produzido e realizado por Richard Brooks, para, numa “paisagem de planaltos, desfiladeiros e ravinas”, nos confidenciar que não é lá grande adepto de seios Cardinais, preferindo antes “o triunfo das costuras circulares, do arame e do elástico”, bem como da “ausência de profundidade” e da “verosimilhança estudada” – aproveitando ainda para criticar os tempos modernos onde se assistiu, segundo ele, ao triunfo do sadismo.

Granta em Língua Portuguesa 4, Cinema, Tinta da China, Deus Me Livro, CríticaDuas ou três coisas sobre John Cassavetes, de Jonathan Lethem, é provavelmente o melhor conto deste volume, que da filmografia deste mestre escolhe “aquele sobre a família, os amigos, os dois irmãos, os actores, aquele sobre o homem e a mulher”. “Rostos” é o nome do filme, ao redor do qual gira esta espécie de ensaio que descreve a filmografia de Cassavetes como um “acto inacabado de exploração humana”.

A mulher morre, de Aoko Matsuda, mostra-nos todos os “truques de cobra” para os avanços da narrativa no feminino, seja a morte, o casamento, a gravidez ou a violação, num conto onde se descobre os genitais – e um bom motivo para nos rirmos com eles.

Marçal Aquilino é o autor de Na tua relva, ou a Greta Garbo da Rua do Triunfo, um texto que é como “um filme bem movimentado, com muitos momentos engraçados, poucas mas boas cenas de amor, algum sexo e e golpes de sorte que só existem na vida real”.

O filho do coronel traz-nos Roberto Bolaño com sotaque do outro lado do Atlântico, num filme de zumbies que, de tão mau, é realmente bom. Tudo com o dedo mágico de Bolaño, que transforma um aparente texto inócuo num micro-ensaio sobre o amor, a identidade e o sacrifício.

Samir Machado de Machado quer que ouçamos Os roncos do diabo, falando-nos da cultura visual que está imiscuída na leitura para depois pegar num capítulo de “Homens Cordiais”, romance de aventuras ambientado durante a invasão franco-espanhola ao norte de Portugal, para o (re)escrever sob os holofotes do cinemascope.

A terminar temos A Portuguesa, onde a partir de uma breve referência a Lillian Gish e a “O Lírio Quebrado” João Miguel Fernandes Jorge organiza uma peregrinação às ilhas gregas, onde há personagens mitológicas a servirem-nos de guias turísticos.

“Traição”, o quinto número da Granta em Língua Portuguesa, está já disponível para compra física ou através do site da editora. As assinaturas da revista podem ser feitas aqui.

CinemaCríticaDeus Me LivroGranta em Língua Portuguesa 4Tinta da China

Pedro Miguel Silva

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