Anthony McCarten, argumentista, produtor, dramaturgo e romancista, já recebeu dois prémios BAFTA e quatro nomeações para os Óscares pelos seus guiões. Não surpreende, portanto, que o thriller “Going Zero” (Singular, 2023) tenha um elevado potencial de adaptação cinematográfica.
O tema central é deveras pertinente: o desenvolvimento de uma sociedade de vigilância, assente em tecnologias que, se ainda não existem, decerto estão prestes a nascer. Um mundo novo, onde os benefícios de um estado de “segurança, paz, lei e ordem“ são invocados em defesa da monitorização constante dos indivíduos, cujos dados e padrões de comportamento acabam explorados por interesses empresariais e políticos.
Entre os partidários da tese de que a privacidade – essa coisa com que, supostamente, só os prevaricadores se preocupam – é um valor antiquado, encontramos Cy Baxter, um multimilionário de 45 anos com ar de miúdo, que subiu a pulso na vida graças à sua própria rede social, e cuja pose de génio informático fixe e empenhado em melhorar o mundo esconde mal o egocentrismo. Ao mesmo tempo que depende da parceira romântica e empresarial para resolver os problemas gerados pela sua dificuldade de autocontrolo, age como se a lei não se aplicasse ao seu moderníssimo poder, e orgulha-se, perante os subordinados que o veneram, de em breve “poder ler qualquer pessoa como um livro, manobrá-la como se fosse uma marioneta”.
É com esta personalidade que a CIA estabelece uma parceria público-privada, almejando expandir discretamente as suas capacidades de recolha de informação. O culminar dessa associação, decisivo para o futuro da mesma, é um teste secreto chamado Going Zero, que testará a conjugação de poderes jurisdicionais imensos com as ferramentas de localização mais avançadas. Nesse contexto, dez pessoas seleccionadas aceitam ser perseguidas por investigadores cibernéticos e equipas de captura prontas a agir no terreno. Recebem duas horas de avanço e um prémio de três milhões de dólares em dinheiro se escaparem durante 30 dias. Uma a uma, todas as cobaias vão sendo apanhadas, menos uma, para surpresa dos organizadores da experiência: alguém que dá pelo nome de Kaitlyn Day e que, segundo os registos, não passa de uma bibliotecária solitária com problemas mentais, mas que é motivada até ao limite das suas forças pela crença de que a participação na iniciativa é a última oportunidade de conseguir algo que só saberemos mais adiante.
Enquanto Kaitlyn insiste em defraudar todas as expectativas, mantendo-se em fuga num mundo hostil, repleto de câmaras, drones e tecnologias delatoras, a admiração que Cy começara a sentir por ela dá lugar ao ressentimento: além de contrariar o seu desejo insaciável de vencer, Kaitlyn mostra possuir informações que ele deseja manter ocultas, pelo que a perseguição se torna cada vez mais implacável, proporcionando acção e reviravoltas bem geridas até ao fim.
Aqueles entre nós que já acreditam estar a ser monitorizados encontrarão neste livro justificação para os seus receios, mas todos têm aqui um excelente ponto de partida para uma reflexão acerca da protecção dos dados e dos direitos individuais.
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