Portugal tem uma história surpreendente, especialmente no século XX, onde a sua conjuntura sofreu alterações profundas: Monarquia, República, Ditadura. Existe uma bibliografia imensa sobre este período, especificamente sobre a Ditadura Salazarista e as ex-colónias africanas. No entanto, no que diz respeito a Goa, a procura pode complicar-se um bocado, sendo um tema raramente abordado.
No ano de 1510, Afonso de Albuquerque conquistou Goa aos árabes e, a partir de então, este pedaço de terra gozou sempre de presença portuguesa. Em 1947, Salazar recusou-se a reconhecer a soberania indiana e, em 1961, a União Indiana invadiu Goa. Esta soberania apenas foi reconhecida após 1974. Estes eventos da história portuguesa levam-nos a Artur Henriques, autor do livro “Goa Ida e Volta” (Abysmo, 2016).
Artur Henriques, apaixonado por arte, foi um dos jovens destacados pelo exercito português para ir defender este porto português da investida indiana, deixando mulher e família para trás, numa viagem que durou 6 meses até ao destino final – Goa, onde ficaria destacado. Fazendo paragens em territórios portugueses espalhados por África durante a viagem, o jovem soldado vai relatando esta aventura e contextualizando-a com capítulos sobre seu passado, para que o leitor possa também vestir a sua pele.
“A Índia já estava mais perto, o desejo de chegar tornava as horas mais longas, a ânsia de chegar fazia contar à pressa os dias que faltavam para chegar a Goa, (…), onde uma estadia de dois anos nos esperava.”
Devido ao seu jeito nato, o autor foi destacado para fazer tarefas de mapeamento e trabalhar como desenhista. Acompanhado por Nash – um militar acérrimo, ao contrário de si – e pelos seus pincéis, a sua permanência em território indiano foi pacífica e é recordada, neste livro, com nostalgia.
Os confrontos de Goa em nada podem ser comparados ao grau de violência vivenciado em África. À semelhança de Artur Henriques, vários jovens portugueses viram-se forçados a abandonar as suas famílias e os seus lares para ir defender um sonho hà muito condenado, de um império territorial espalhado por esse mundo fora. As marcas dos confrontos na luta pelas ex-colónias, tanto física quanto psicológicas, permanecem não só nos sobreviventes como também nos seus familiares.
Os traumas não conhecem fronteiras: para os que sobreviveram, o afastamento dos entes queridos e, em alguns casos, a perda de membros, são as lesões que se vêem a olho nu. As memórias, a perda de companheiros, o som das armas e os pesadelos, são algo que quem nunca experimentou nunca poderá imaginar.
Para os familiares dos que sucumbiram, a sua ausência é algo insubstituível, mas para as famílias daqueles que regressaram, o seu sofrimento é contagioso, desassossegando quem está à sua volta.
“Goa Ida e Volta” lê-se como um testemunho enternecedor, uma história com final feliz, na primeira pessoa, incluindo ilustrações feitas pelo autor e fotografias que ajudam num suporte de contextualização visual. Uma narrativa que retrata os anos de serviço na defesa de um capricho que, na grande maioria das vezes, nem sequer era partilhado por aqueles que estavam no terreno para o realizar.
“Uma coisa é certa: Goa, Damão e Diu nada tinham a ver com a verdadeira guerra colonial. Nem sequer o termo ‘’colónia’’ ou ‘’província ultramarina’’ era apropriado para os estados portugueses da Índia. (…) Como militar, em Goa tive um tratamento que não era concebível em qualquer colónia de África. Goa manteve-se (…) como que uma utopia concretizada, onde aprendi a ser homem. (…) É assim que a vou recordar para sempre. Goa, o meu ‘’Jardim das Delícias””.
1 Commentário
Um agradável comentário. Podia falar um pouco do lado do publicitário visitado pela PIDE. Como era ser criativo no Estado Novo de Salazar.