• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
Garra, Cecelia Ahern, Deus Me Livro, Crítica, Suma de Letras
Mil Folhas 1

“Garra” | Cecelia Ahern

Por Isabel Daires · Em 08/06/2021

O mais recente livro de Cecelia Ahern, “Garra” (Suma de Letras, 2021), proporciona uma leitura agradável. Porém, contrariamente ao esperado, não oferece “uma colecção ferozmente feminista” de histórias “singulares e poderosas em torno da experiência feminina”.

A obra contém 30 contos, sendo a esmagadora maioria protagonizada por mulheres que encontram, dentro de si, forças para enfrentarem os problemas com que se deparam. Muitas leitoras – e talvez leitores – sentirão empatia, mas o feminismo que aqui se encontra é relativamente ligeiro. Não atinge as raízes da desigualdade estrutural que continua a afectar grande parte da humanidade, nem se debruça sobre alguns temas mais complexos. Não existe violência sexual, prostituição, gravidezes indesejadas ou amores contrariados. As temáticas do aborto e do controlo da natalidade são abordadas indirectamente, num único conto onde um homem é impedido de tomar decisões sobre a sua vida reprodutiva. A existência de violência doméstica é mencionada uma vez, num parágrafo sobre a personagem de uma juíza que ficou marcada pelo caso de uma mulher assassinada pelo marido. Claro que a mudança individual fornece um contributo importante para a mudança global e muitas mulheres podem sentir-se inspiradas pelas heroínas, mas estas figuras femininas limitam-se, na maioria das narrativas, a reagir às situações com que são confrontadas, sem exibirem indícios de uma consciência feminista que as leve a enquadrar as suas batalhas pessoais nessa perspectiva, nem a lutar pela melhoria da condição feminina em geral.

O realismo mágico que marca quase todos os contos é usado de forma criativa, mas seria preferível que a autora tivesse resistido melhor à tentação de explicitar as interpretações pretendidas, as quais chegam a ser simplistas. Por exemplo, a frase “Façam boas escolhas”, com a qual uma das histórias termina, é um bom conselho, mas pressupõe que exista liberdade de escolha e que seja fácil reconhecer as alternativas certas, o que nem sempre acontece.

Garra, Cecelia Ahern, Deus Me Livro, Crítica, Suma de LetrasAlgumas narrativas começam de forma promissora, mas o desenlace desilude. Por exemplo, no conto sobre a refugiada, a protagonista sente-se excluída no país de acolhimento, sensação essa que se agrava quando leva os filhos à escola e recebe olhares intimidantes das outras mães. O “empoderamento” ocorre quando ganha asas que lhe permitem simplesmente voar por cima das que estão à sua frente no caminho, não sendo equacionadas iniciativas individuais para transpor barreiras nem aprofundadas questões relativas à identidade cultural.

Não está em causa a sensibilidade social e o poder de observação da autora, que é competente e produz alguns contos óptimos. Contudo, uma parte destes é baseada em ocorrências que nada têm de exclusivamente feminino, como um percalço embaraçoso numa reunião de trabalho, ou um distúrbio da fala que inibe uma pessoa de comunicar. Se os géneros das personagens fossem trocados, o resultado seria igual. Embora não seja criticável escrever sobre vivências que qualquer ser humano pode ter, esperar-se-ia algo diferente de um livro que declara ser dedicado à experiência feminina.

Cecelia AhernCríticaDeus Me LivroGarraSuma de Letras

Isabel Daires

Pode Gostar de

  • O Céu da Língua, Gregorio Duvivier, Deus Me Livro, H2N Culture Connectors, Mil Folhas

    Gregorio Duvivier volta a mostrar-nos O Céu da Língua

  • 5L, 5L 2025, Deus Me Livro, Edite Guimarães, Entrevista, Mil Folhas

    Entrevista: Edite Guimarães apresenta-nos o 5L

  • O Som da Mentira, Amy Tintera, Deus Me Livro, Crítica, Singular, Mil Folhas

    “O Som da Mentira” | Amy Tintera

1 Commentário

  • Vanessa comentou: 02/07/2024 at 15:12

    Achei a proposta do livro excelente, justamente por não ser uma obra feminista, pois mostra aquilo que nos atravessa enquanto seres humanos e enquanto mulheres e como a real mudança e libertação surge quando passamos a olhar para dentro de nós mesmas e nos percebemos como parte da trama social e de nossas próprias vidas. É importante estarmos juntas, termos apoio umas das outras, termos espaços de partilha, falarmos abertamente sobre as dificuldades e isso o livro cumpre muito bem, pois no fundo cada uma de nós precisa perceber a si mesma e agir de acordo com sua própria possibilidade. Não vejo necessidade de pautas feministas para que uma mulher perceba a si mesma. Gostei do livro e da série. Provocativo e inteligente.

    Resposta
  • Deixe uma opinião Cancelar

    Siga-nos aqui

    Follow @Deus_Me_Livro
    Follow on Instagram

    Mil Folhas

    • O Céu da Língua, Gregorio Duvivier, Deus Me Livro, H2N Culture Connectors,

      Gregorio Duvivier volta a mostrar-nos O Céu da Língua

      08/05/2025
    • 5L, 5L 2025, Deus Me Livro, Edite Guimarães, Entrevista,

      Entrevista: Edite Guimarães apresenta-nos o 5L

      08/05/2025
    • O Som da Mentira, Amy Tintera, Deus Me Livro, Crítica, Singular,

      “O Som da Mentira” | Amy Tintera

      07/05/2025
    • Dentro da Tenda, Lucie Lučanská, Deus Me Livro, Crítica, Planeta Tangerina,

      “Dentro da Tenda” | Lucie Lučanská

      07/05/2025
    • Um Lugar Luminoso Para Gente Sombria, Mariana Enriquez, Deus Me Livro, Crítica, Quetzal,

      “Um Lugar Luminoso Para Gente Sombria” | Mariana Enriquez

      30/04/2025
    Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

    Archives

    • May 2025
    • April 2025
    • March 2025
    • February 2025
    • January 2025
    • December 2024
    • November 2024
    • October 2024
    • September 2024
    • August 2024
    • July 2024
    • June 2024
    • May 2024
    • April 2024
    • March 2024
    • February 2024
    • January 2024
    • December 2023
    • November 2023
    • October 2023
    • September 2023
    • August 2023
    • July 2023
    • June 2023
    • May 2023
    • April 2023
    • March 2023
    • February 2023
    • January 2023
    • December 2022
    • November 2022
    • October 2022
    • September 2022
    • August 2022
    • July 2022
    • June 2022
    • May 2022
    • April 2022
    • March 2022
    • February 2022
    • January 2022
    • December 2021
    • November 2021
    • October 2021
    • September 2021
    • August 2021
    • July 2021
    • June 2021
    • May 2021
    • April 2021
    • March 2021
    • February 2021
    • January 2021
    • December 2020
    • November 2020
    • October 2020
    • September 2020
    • August 2020
    • July 2020
    • June 2020
    • May 2020
    • April 2020
    • March 2020
    • February 2020
    • January 2020
    • December 2019
    • November 2019
    • October 2019
    • September 2019
    • August 2019
    • July 2019
    • June 2019
    • May 2019
    • April 2019
    • March 2019
    • February 2019
    • January 2019
    • December 2018
    • November 2018
    • October 2018
    • September 2018
    • August 2018
    • July 2018
    • June 2018
    • May 2018
    • April 2018
    • March 2018
    • February 2018
    • January 2018
    • December 2017
    • November 2017
    • October 2017
    • September 2017
    • August 2017
    • July 2017
    • June 2017
    • May 2017
    • April 2017
    • March 2017
    • February 2017
    • January 2017
    • December 2016
    • November 2016
    • October 2016
    • September 2016
    • August 2016
    • July 2016
    • June 2016
    • May 2016
    • April 2016
    • March 2016
    • February 2016
    • January 2016
    • December 2015
    • November 2015
    • October 2015
    • September 2015
    • August 2015
    • July 2015
    • June 2015
    • May 2015
    • April 2015
    • March 2015
    • February 2015
    • January 2015
    • December 2014
    • November 2014
    • October 2014
    • September 2014
    • August 2014
    • July 2014
    • Contacto