Como explicar o mini boom que, um pouco em todo o globo terrestre, parece ter enchido livrarias públicas e estantes privadas com todo o tipo de livros vindos do norte da Europa? Foi esta a pergunta que José Riço Direitinho lançou para o ar – apontada ao coração do islandês Jón Kalman Stefánsson -, deixando ainda alguns dados factuais: na última meia dúzia de anos, publicaram-se mais autores nórdicos em Portugal do que nos anteriores 50; até há muito poucos anos, obras tão essenciais como – e sobretudo – “Gente Independente”, de Halldór Laxness, e “Fome”, de Knut Hamsun, não contavam com edição portuguesa. Um efeito dominó que, se quisermos apontar a causa maior, terá sido gerado pelo malogrado Stieg Larsson, que transformou a incompleta saga Millennium num sucesso literário mostrando que o policial é um género maior e vacinado.
Stefánsson não é, de todo, um autor de policiais. A sua escrita estará, antes, mais próxima da tragédia literária com enquadramento paisagístico, de nomes como os de McCarthy ou do compatriota Laxness – mesmo que considere este último um escritor bom “mas não tão bom“. Contudo, na mesa do Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos onde se conversou sobre a nova literatura nórdica e as razões do fascínio que esta vem suscitando no mundo literário, mostrou um sentido de humor fora de série, dizendo que deu de caras, logo no aeroporto, com as duas piores cervejas do mundo, que somos campeões europeus mas não conseguimos bater os islandeses e que, se eles são tristes, o que dizer de um país que inventou uma música de cortar os pulsos como o fado?
Riço Direitinho nomeou aqueles que seriam os ingredientes indispensáveis para a melhor literatura nórdica – ou melhor, escandinava: linguagem poética, uma história forte, personagens de eleição e uma tristeza permanente, onde mesmo num dia ensolarado há sempre a ameaça da escuridão. Uma tristeza que, contudo, não é apática. Stefánsson aproveitou para dizer que há lugares na Islândia onde o Verão chega a ser o Paraíso, e que tortura seria não poder correr por causa do calor. Mais seriamente disse que “to be alive is a pain“, recordando que, se olharmos para Bach, um tipo que cresceu num meio urbano e sem falta de luz natural ou eléctrica, não encontramos propriamente rock n roll.
Sempre disposto a contrapor o guião preparado pelo entrevistador, Stefánsson respondeu o seguinte quando foi questionado se a solidão, a morte e o isolamento seriam mais marcantes na literatura que veio do norte: “I’m so lonely that i could die“. Quem o disse foi um não islandês chamado John Lennon, provando que a solidão profunda poderia ser encontrada à hora e no país do chá das cinco.
Stefánsson recordou o tempo em que a Islândia e a Finlândia – “os finlandeses bebem muito e suicidam-se. Nós também bebemos mas não nos matamos” – não existiam nos mapas ou nas estações dos correios, aproveitando para agradecer a Bjork por ter colocado o país no mapa. Assim como relembrou a longa ocupação do país pela Dinamarca, e a festa da libertação que decorreu enquanto a Europa se encontrava a arder na Segunda Guerra Mundial – “Os ingleses fizeram o mesmo agora“, brincou uma vez mais.
Outro dos temas discutidos teve a ver com o realismo mágico. Segundo Stefánsson, o pai do realismo mágico sul-americano foi um avô islandês chamado Halldór Laxness, talvez a maior fonte de inspiração para que Juan Rulfo escrevesse “Pedro Páramo”. Um realismo mágico que está em todo o lado, tendo apontado como exemplo máximo – e o verdadeiro lugar onde nasceu o realismo mágico – A Bíblia, onde vemos Jesus a chegar ao céu num foguete ou Deus a pairar numa nave espacial. “Apenas se começou a falar disso nos anos 50 e tornou-se moda“. Para Stefánsson, a necessidade de recorrer a elfos ou a trolls terminou com o aparecimento da electricidade, que fez com que mais de metade do ano deixasse de ser vivido num eterno breu. Na Islândia, “a natureza parece estar viva, uma pessoa começa a ver coisas que não estão lá“. Um lugar onde, antes do Deus eléctrico dizer “let there be light“, a esperança em algo melhor era encontrada nas histórias de elfos, que acabaram por ser, mais do que puro entretenimento, uma questão de sobrevivência. Sobre se seria capaz de escrever um romance puramente urbano a resposta foi clara: “A natureza e paisagem estão no meu sangue“. Antes disse já havia brincado dizendo que já o havia experimentado, mas que o personagem principal, ao fim de 60 páginas, apanhou um táxi para as montanhas. Para o islandês é claro que a natureza é maior que o homem, e que só quando compreendermos isso poderemos alcançar a salvação do planeta.
Muito interessante foi também o período de perguntas do público onde, questionado sobre se quando escreve tem em conta como soará a tradução noutras línguas e também a propósito do livro “Paraíso e Inferno” – Céu e Inferno se quisermos buscar o título original -, disse que “escrever é tentar alcançar algo maior que nós próprios” e que, nesse momento, apenas a história interessa: o leitor não existe ainda. Sobre Pessoa disse ser um ET, aparentado de Elvis Presley, e quanto a Saramago considerou-o um grande estilista, qualquer coisa como um Knut Hamsun português. Já Sophia de Mello Breyner Andresen, apesar da ascendência dinamarquesa, considerou-a enorme. Aliás, para Stefánsson Portugal será sempre a pátria da poesia. Antes da despedida ficou a resposta ao título do primeiro livro da sua trilogia – encerrada agora com a publicação, pela Cavalo de Ferro, de “O coração do homem”: o que está entre o céu e o inferno? A vida. Se possível, vivida com um sentido de humor à islandesa.
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