A crença de que os espíritos dos mortos assombram lugares e pessoas aos quais estiveram ligados, poderá ter uma maior amplitude e estender-se às muitas das nossas vivências passadas, que pairam e atormentam a nossa existência – os nossos fantasmas. É esta a ideia central que atravessa “Magpie Lane”, romance assinado por Lucy Atkins que, na edição portuguesa, se viu traduzido como “Fantasmas de Oxford” (Asa, 2020).
O mistério do desaparecimento de uma criança de oito anos, Felicity, filha de um director de um colégio de Oxford, dá origem a uma mega investigação, que elege sobretudo a sua ama – Dee – como principal suspeita. Dee é uma ama peculiar, com muita experiência em cuidar de crianças de professores de passagem por Oxford, e que utiliza a matemática – nomeadamente o cálculo com números primos e raízes quadradas – para lidar com as situações que lhe causam grande ansiedade e a empurram para os fantasmas do seu passado.
Felicity, por seu lado, é uma criança solitária, atormentada pela morte da mãe, com um quadro de mutismo selectivo desde esta tragédia. O pai, único ser com que fala, elege como prioritários o seu poderoso cargo e a sua nova esposa dinamarquesa – que não consegue lidar com a filha herdada -, delegando em Dee os cuidados desta particular criança.
A proximidade emocional entre ambas transpõe os limites dos cálculos e, na companhia de Linklater, um detective de casas que vai escrever a história da actual residência da família, vão dando passeios por lugares de Oxford no mínimo peculiares: os Cemitérios de Holywell e de Wolvercote. Estas visitas pelos túmulos trazem-nos tanto a história de notáveis, como a bela história de amor de J. R. R. Tolkien e da sua mulher, Edith, como uma crítica ao meio oxfordiano, repleto de vaidade, egocentrismo, códigos secretos e cultos medievais.
Oxford é representado, no seu esplendor, por um gato que recebe o nome de um matemático, Fibonacci, e a ama, Dee, que explica aos simples mortais o significado dos números de Fibonacci: “– São simples padrões – Tentei não me mostrar impaciente. E a matemática é a ciência dos padrões. Se contar o número total de pétalas numa flor, na maioria dos casos é um número de Fibonacci. Os ranúnculos têm sempre cinco pétalas, os lírios têm três, os delfínios têm oito – são todos números de Fibonacci. O mesmo se aplica ao corpo humano. Um nariz, uma boca, dois olhos, cinco dedos…todos números de Fibonacci. – Decidi que não valia a pena entrar pelas espirais de Fibonacci. – A matemática une as coisas no universo que aparentemente não estão relacionadas; é o que existe de mais parecido com magia”.
Oxford, um território onde as casas antigas tinham painéis secretos e esconderijos para ocultar padres católicos perseguidos na época de Jaime I, e papel de parede com o poder de alterar o mundo, como acreditavam Oscar Wilde, William Morris e John Ruskin. É precisamente neste fundo Oxfordiano, entre fantasmas presentes e passados, que nos debatemos com os dilemas relativos ao significado de família, protecção, amor e justiça, num ritmo bem thrilleriano.
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