Edith Wharton (1862-1937) foi suficientemente afortunada para ver o seu talento reconhecido de diversas formas: tornou-se a primeira mulher a ganhar um Prémio Pulitzer de Ficção – em 1921, pelo romance “A Idade da Inocência” –, a receber o título de doutora honoris causa pela Universidade de Yale e a ser membro de pleno direito da Academia Americana de Artes e Letras. Por oposição, o protagonista de “Ethan Frome” (Guerra & Paz, 2022), obra publicada pela primeira vez em 1911, é uma daquelas pessoas que o destino parece ter injustamente condenado a uma vida de infortúnios.
A sua história desenrola-se em Starkfield, uma aldeia fictícia situada no Massachusetts, numa região montanhosa, fria e agreste, que espelha a repressão dos sentimentos e a aridez emocional imposta a Ethan. Para o narrador anónimo, que se desloca até lá por razões profissionais, ele é um homem marcante e intrigante, tão destroçado que “parece morto e enterrado”, com uma expressão no rosto que “nem a pobreza nem o sofrimento físico poderiam ter lá gravado”.
O passado e o presente de Ethan são-nos revelados através deste narrador, que trava conhecimento com ele e chega a pernoitar na sua quinta degradada. Descobrimos que se trata de alguém que se interessava verdadeiramente pelas ciências naturais, mas foi forçado a abandonar os estudos devido ao falecimento do pai e à doença da mãe. Após a morte desta, o casamento impulsivo com uma prima, Zeena, vinda do vale vizinho para ajudá-lo a cuidar dela, impede-o de partir em busca de vida melhor numa cidade. O facto de a esposa se revelar uma hipocondríaca, “a maior consumidora de medicamentos do condado”, não melhora a situação financeira do casal, nem aumenta o pouco amor entre ambos.
O cerne da intriga advém da chegada à quinta de Mattie Silver, uma parente ainda mais destituída, que o casal acolhe em troca de ajuda nas lides domésticas. Sendo alegre e doce, mais jovem e bela do que Zeena, actua sobre Ethan “como o acender de uma fogueira numa lareira fria”, despertando nele centelhas de esperança num futuro mais feliz. A ligação de ambos torna-se tão forte que uma separação iminente se lhes afigura intolerável, fazendo Ethan sentir-se “um prisioneiro com pena perpétua”, cujo único raio de luz vai ser extinto, e conduzindo-os a um desfecho trágico.
Wharton descreve com extrema sensibilidade o amor entre Ethan e Mattie, denunciado por diversas subtilezas de comportamento e comunicação. Perante o conjunto do trabalho da autora, este livro distingue-se por retratar um meio social mais desfavorecido do que aquele de onde geralmente provêm os seus protagonistas, sendo a pobreza material um elemento importante para compreender a falta de alternativas de Ethan e o desespero daí decorrente. Todavia, mantém-se omnipresente a temática que a autora é exímia a desenvolver: o conflito entre o sentimento e o dever, que ainda hoje dilacera inúmeros seres humanos.
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