“Uma mãe é uma casca. Guarda a semente, cobre-a, protege-a, abre-a para que saia o fruto.”
“Esta Ferida Cheia de Peixes” (Guerra & Paz, 2022), da colombiana Lorena Salazar Masso, é uma narrativa poética, cheia de simbolismo e musicalidade. Um livro que, através de uma doçura desarmante, toca vários temas sensíveis como o amor e a maternidade, mas também o conflito armado e o racismo silencioso, num claro exercicio de correlação entre a construção lierária e o contexto histórico, ou não tivesse a autora raízes na região que retrata.
Presente-se na narrativa de Lorena Masso, nascida em Medellín, em 1992, o relato da sua própria experiência na região onde passou a infância: Chocó, cidade de Quibó, uma das comunidades mais pobres da Colômbia. Retratando registos de discriminação e de violência, a sua escrita pode ser entendida como uma forma retrato e de denúncia, que poderia ter ficado silenciada, uma vez que surgiu de forma despretensiosa, como tese de mestrado, na Escuela de Escritores, em Madrid, em Julho de 2020. A insistência dos professores, para que o tirasse da gaveta e o apresentasse a editoras, resultou numa imediata aceitação, encontrando-se publicado em França, Itália, Alemanha, Polónia, República Checa, Países Baixos, Reino Unido – e, agora, em Portugal, dando início à nova colecção romances de guerra e paz da editora.
“Esta Ferida Cheia de Peixes” é um livro sobre uma mãe branca, com o seu filho negro, numa viagem no rio Atrato, na Colômbia, levando a criança que criara até à mãe biológica que o abandonara. Trata-se de uma viagem acompanhada das mais belas e profundas reflexões que se possa imaginar sobre a beleza e a dor da maternidade, mas também sobre o peso da história, das feridas do passado que não saram e se perpetuam num povo, entre gerações. Para além da violência armada, Lorena Masso acaba por retratar outras formas de violência silenciosas, como a pobreza, o abandono e a discriminação ou falta de oportunidades, especialmente entre as mulheres colombianas.
A viagem de barco é apresentada como uma travessia também simbólica para esta mulher-mãe que, de forma imprevisível e abnegada, viveu uma maternidade que não procurou, acabando a lutar com os seus próprios fantasmas e o medo da perda. Fá-lo olhando, retrospectivamente, para a sua própria infância e para a forma como, na diferença de cor, se integrou e desenvolveu identidade, registos que ajudam Lorena Masso a falar do sentimento de pertença em geral, num jogo de ternura e de inocência mas, também, de disputa, perda e tristeza.
Trata-se também de um livro de esperança, através da doçura e curiosidade da criança protagonista, do poder do instinto de protecção, do amor incondicional, generoso e sem limites de uma mulher-mãe. Uma narrativa emotiva, de um lirismo desarmante.
“Uma mãe é uma coisa que dói. É ferida e cicatriz. Para uma criança, a mamã é a pessoa que pergunta se quer leite no chocolate, que se zanga quando anda descalço pela casa, que prova a sopa primeiro, queima a língua e espera que arrefeça um pouco mais. Uma mamã é a pessoa que está.”
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