“Sou uma má mãe, mas estou a aprender a ser boa”. Este é o mantra a ser repetido pelas formandas da “Escola para Boas Mães” (Suma de Letras, 2023), onde decorre um programa inovador de reeducação de mulheres separadas dos filhos por decisão judicial, numa sociedade distópica assustadoramente realista e próxima do nosso tempo, caracterizada com fina ironia por Jessamine Chan.
A protagonista chama-se Frida Liu e comete o erro de deixar a filha bebé, Harriet, sozinha em casa por duas horas. Depois de ter seguido o marido para uma cidade onde se sente deslocada, este trocou-a por uma mulher mais nova, e Frida luta contra a exaustão para conciliar um emprego a tempo parcial com os cuidados que Harriet exige. São tomadas precauções para deixá-la segura, mas a ausência prolonga-se mais do que o planeado, a bebé chora e um vizinho chama a polícia. A criança é entregue ao pai e, para recuperar os direitos parentais, Frida inicia um longo calvário com contornos kafkianos, o qual culmina com o internamento na referida escola, em tudo semelhante a uma prisão – desde os uniformes à vedação electrificada, passando pela estrita regulação do quotidiano.
A formação a que as mulheres são submetidas, satiriza impiedosamente mitos acerca da maternidade e a miríade de pressões sociais que as mães enfrentam. Embora existam casos de internamentos por maus-tratos, outros decorrem de actos inocentes, como deixar uma criança brincar sozinha no quintal, ou queixar-se dela nas redes sociais. A doutrina vigente advoga que a condição de mãe se sobreponha à individualidade de cada mulher, sendo qualquer expressão de interesses ou necessidades pessoais vista como narcisismo. A má parentalidade é responsabilizada por todo o tipo de problemas, transparecendo a defesa de um ideal de mãe que não trabalha fora de casa e se dedica por inteiro a cuidar da prole, sempre atenta, paciente e bondosa, reforçando em Frida uma sensação constante de culpa pelo que faz e pelo que não faz.
Esta crítica social estende-se a questões étnicas, valendo a pena destacar o facto de a protagonista, tal como a autora, ter ascendência asiática. Além disso, é habilmente combinada com preocupações acerca do uso da tecnologia: a videovigilância é omnipresente na narrativa, bem como a recolha de dados biométricos – até o cérebro é examinado, em busca de sentimentos maternais. A cerca de um terço do livro, é introduzido o último avanço em robótica e inteligência artificial: simulacros de crianças com sensores que monitorizam as formandas, a quem é imposto que as eduquem, protejam e amem como aos filhos biológicos, comportando-se de uma forma supostamente “natural” em circunstâncias que são tudo menos isso, e sendo avaliadas por parâmetros que incluem brincadeiras cronometradas, a duração e a intensidade dos abraços, ou “um núcleo ardente de amor maternal nos beijos”.
Entre exercícios que mais parecem torturas, relações multifacetadas com outras mulheres e sentimentos cada vez mais fortes pela sua boneca, Frida agarra-se à esperança de uma avaliação positiva que lhe permita recuperar a sua vida, enquanto se debate com as malhas de um sistema onde a opressão espreita sob um verniz de boas intenções. Tratando-se do primeiro livro da autora, as suas camadas e a humanidade falível das personagens não poderiam tornar a estreia mais auspiciosa.
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