Foi um dos grandes lançamentos de 2017 no que diz respeito à poesia: o “Épico de Gilgameš ” (Assírio & Alvim, 2017) que, logo na introdução, nos faz acreditar estarmos perante uma aventura da magnitude de “O Senhor dos Anéis”.
“É objecto da presente edição a rapsódia dos feitos do muito sábio, advertido e poderoso Gilgameš, Rei de Uruk, conhecida entre os letrados babilónios pelo seu verso inicial, “Sá Naqba Muru” (“Aquele que testemunhou o abismo”), e familiar ente acomodada no conhecimento leitor moderno com a designação de Épico de Gilgameš.”
Trata-se de um poema composto algures na Babilónia, por finais do segundo milénio, redigido em cuneiforme acádio, a escrita de Babilónios e Assírios, que se socorriam de placas de barro para fixar a sua literatura. Quanto aos temas, são os presentes na grande literatura épica: a glória eterna, a experiência da perda, a busca malograda da eternidade.
A história moderna inicia-se em 1849, com a descoberta e escavação das ruínas de Ninine (actual Quyunjuq, junto a Mossul, no Iraque), a última capital do Império Assírio, pelo aventureiro Austen Henry Layard. Até então, “nenhuma estrutura mesoptâmica se mantivera à superfície, nenhuma escultura repousava em museu e dois mil anos de história política e cultural eram apenas conhecidos através de esparsas referências na Bíblia ou em termos clássicos” – da introdução de Francisco Luís Parreira.
Um dos grandes feitos do rei Assur-Bani-Apli havia sido edificar a maior biblioteca da antiguidade pré-clássica, que acabou por ser arrasada no ano 612 a.C.. Os manuscritos nela encerrados permaneceram durante cerca de 2500 anos nas areias do deserto, até serem exumados por Hormuzd Rassan e a primeira missão arqueológica do Museu Britânico, estávamos então em 1853. A maior parte do espólio foi recuperado, cerca de 30000 placas cuneiformes correspondentes a cerca de 10000 documentos, que continham sobretudo rituais, esconjuros e textos médicos. Mas foi apenas em 1872 que o jovem arqueólogo George Smith descobriu uma placa com uma narrativa que narrava o Dilúvio antes do Génesis, acabando por conduzir às doze tábuas que “perpetuavam as aventuras e malogros de um antigo rei mesoptâmico” – também da introdução. Seguiram-se diversas edições, cada uma delas corrigida e aprimorada em relação à anterior, sendo que o que chegou até nós foram maioritariamente cópias dos originais perdidos, mas que se acredita não terem tido, em relação a estes, variações substanciais – apenas a tábua V é motivo de discussão.
Gilgameš é um ser fanfarrão e um adepto da tirania, daqueles que defendem os seus mas que fazem a vida difícil a todos os outros, e que parte na companhia de Enkidu em busca de glória. Porém, as coisas não correm pelo melhor para Enkidu, restando a Gilgameš partir sozinho em busca da vida eterna, regressando a casa apenas e só depois de aprender a morrer. Um livro obrigatório para aquela(s) estante(s) lá de casa dedicada(s) à poesia.
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